.Por Luís Fernando Praga.

Houve um tempo em que a escravidão era a lei, isto é, o escravo era obrigado por lei a trabalhar de graça. Se não trabalhasse apanhava, se fizesse errado era espancado, se a filhinha do patrão tivesse uma quedinha pelo escravo ele era castrado, se o humor do senhor não estivesse legal, vinham as chibatadas e torturas. Podia, tava na lei!

Se o escravo chegasse vivo até o fim do dia, podia comer e dormir na senzala. Era o máximo!

Mas, não se sabe bem o porquê, havia alguns escravos ingratos, vagabundos, que não davam o devido valor aos restos nem às surras que recebiam e faziam de tudo pra fugir da escravidão.

Só que não era assim, tão bem definido: preto contra branco e pobre contra rico. Muitos pretos escravizados temiam, por conviverem com o abuso diariamente, que seus senhores se desagradassem de suas rebeldias e resolvessem puni-los e até matá-los, então não aderiam à luta contra a escravidão.

Também nessa época, o PT e outros “esquerdas caviar”, que não reconheciam o esforço dos senhores de engenho para conquistarem seu lugar na casa grande (tipo: bastou nascerem lá), já lutavam contra a lei e queriam defender escravo. Baderneiros!

Graças a Deus, naquela época existia a decência, e a lei não era feita por branco para beneficiar preto.

Os senhores tinham muita grana, mas muita grana mesmo, se comparados aos escravos. Possuíam latifúndios intermináveis (adquiridos através de muita negociação com os indígenas, em troca do genocídio), minas, gado, honrarias e a proteção das leis e da justiça. Detinham o poder.

Com todo esse diferencial, garantido pela meritocracia hereditária, os senhores resistiram ao máximo na luta contra os petralhas e os pretos que não queriam “trabalhar”.

Alguns escravos, e não eram poucos, também se deslumbravam com os brilhos da casa grande e sonhavam conquistar o passaporte para aquele mundo maravilhoso de comodidades e poder; então, bajulavam os senhores, lambiam suas botas, procuravam ser gentis e subservientes com aqueles que assassinaram seus pais e amigos.

Dentre esses escravos “pelegos” dos senhores, alguns conseguiram uma vida mais confortável que a de seus irmãos das senzalas, quando trocaram a luta pela liberdade por uma vida dedicada a criar intrigas entre os escravos abolicionistas e, como um câncer infiltrado em seu próprio povo, traíam os libertadores e defendiam os interesses da elite escravagista.

Outros que se enxergavam em situação muito superior à de seus irmãos escravos  eram os capitães do mato. Nascidos na escravidão, os capitães do mato, depois de demonstrarem aptidão para a crueldade e uma fidelidade cega à elite, eram recrutados para todo o tipo de serviço sujo. Emboscavam, caçavam, matavam, torturavam e estupravam mulheres e crianças quilombolas a mando de seus senhores.

Esses ex-pobres passaram a receber restos diferenciados, podiam frequentar a casa grande e poucos até tinham casas para morar, mas era só saírem da linha que a bruteza da justiça os recolocava em seus devidos lugares de pobres.

Latifúndio? Não, nenhum deles virou latifundiário.

Apesar de todo esse panorama favorável aos senhores, muitas pessoas começaram a aventar a possibilidade de que os negros, até então comprados e vendidos como coisas e espancados feito bichos, também pudessem ser seres humanos. Coisa de esquerdista.

Movimentos abolicionistas ganharam força mundo afora e a escravidão (legalizada) acabou, mas a elite valente de nosso país conseguiu conter o ímpeto pela liberdade daqueles pretos fodidos e da esquerda caviar vagabunda daquela época, adiando a nossa abolição parra 1888 (120 anos após a abolição em Portugal). O Brasil era um dos 5 últimos países do mundo que ainda não engoliam essa história de que preto é gente. Depois de nós só vieram Zanzibar, Etiópia, Arábia Saudita e Mauritânia, todos colônias de países europeus e explorados pela gente branca.

Pois é, deram um fim na lei da escravidão, fazer o quê? Nem sempre o bem vence.

Mas e agora? Como a nossa elite, clara como a lua, tez rosada, hábitos refinados, mãos macias e acetinadas, poderia manter um país de dimensões continentais nos caminhos do progresso, com tanto preto solto que não era mais obrigado a trabalhar pra ela?

Vieram os imigrantes.

Como naqueles tempos as leis eram feitas por legisladores da elite, os cargos executivos eram garantidos à elite e os juízes eram oriundos da elite e manter-se-iam elite até o fim de suas vidas, graças a Deus, nossa brava elite conseguiu manter o controle do País, apesar do choque gerado pelo fim da escravidão e da incômoda e persistente esquerda.

Os pretos indesejáveis, aqueles que não trabalhavam de graça nem caçavam fugitivos nem serviam de amantes para os senhores e as sinhazinhas, foram sendo jogados nos presídios.

Os imigrantes chegavam aqui nas mais variadas condições, mas nunca em condições tão precárias como as dos escravos negros. Os imigrantes, em regra, haviam tido condições de estudo e as noções de conduta para uma sociedade civilizada como a nossa, conheciam a elite europeia, seu jeitinho de levar vantagem em cima do mais fraco e sua falta de limites, mas, o mais importante: já eram branquinhos.

Alguns imigrantes prosperaram, tornaram-se negociantes, políticos e até latifundiários, entretanto a maioria precisava trabalhar demais, nas lavouras ou na indústria, como o patrão mandasse, para chegar vivo e comer no fim do dia.

Nossa elite, muito precavida, cuidou de criar leis que permitissem que esses imigrantes não tivessem muito tempo para pensar em suas condições de trabalho desumanas, mas que pensassem que era preciso trabalhar para melhorar de vida e que fossem à missa aos domingos para agradecer a Deus por aquele trabalho glorioso que tanto os dignificava. Repetiam-se semanas, trabalho, dor, suor e missa, até que chegava o fim da vida.

Mas é impressionante como tem gente insatisfeita no meio desses vagabundos!

De lá pra cá os petralhas fizeram tanto a cabeça das pessoas mais burras que, a fim de evitar uma guerra civil ou uma calamidade maior, como a perda das mordomias, das propriedades roubadas, dos alienadores religiosos a seu serviço, de sua personal mídia, de sua personal polícia, do personal político, personal juiz e personais escravos legalizados, a elite, num gesto humanitário de total desapego, foi liberando, liberando e hoje a vagabundagem leva a vida na flauta, mas ainda pede mais…

Graças a essa inconveniente esquerda que luta por direitos trabalhistas e humanos, a jornada de trabalho reduziu de 16 para 12, de 12 para 10 e de 10 para 8 horas diárias.

Graças a essa esquerda vagabunda que não para de mendigar direitos, hoje o homem já não pode mais assassinar sua esposa por suposto adultério, alegando legítima defesa da honra. Degenerados!

Graças à luta de quem não se acomoda e luta, foi fixado um salário mínimo e os trabalhadores conseguiram direito a férias, a um sistema único de saúde que atende a todos, ao voto, a uma legislação trabalhista, à previdência social, aposentadoria etc.

Todas, absolutamente todas as conquistas supracitadas foram oficializadas durante governos de direita, os governos da elite; porque, até a eleição de Lula, absolutamente todos os presidentes do Brasil foram homens brancos e ricos, nascidos da elite capitalista.

Mas a elite não é idiota de entregar o peixe de mão beijada pra vagabundo. Cada uma das conquistas foi extraída a fórceps, através de pressão sindical, protestos e greves. Cada uma delas esconde uma história de repressão e arbitrariedades do estado, de violência policial, de cacetada, canetada, borrachada, bomba de gás, perseguição, prisões, torturas e mortes de trabalhadores (lembrando que policial também é trabalhador e também morre, só que persegue e mata os “parça” como faziam os capitães do mato).

Cada conquista veio depois de anos de sofrimento e luta! Cada uma dessas conquistas marca uma migalha cedida por nossa generosa elite, a fim de aplacar a indignação de quem perdeu familiares, amigos, colegas e a própria vida, vitimados pela escravidão legitimada. Nada, absolutamente nada veio de graça, mas o tempo, às vezes, faz esquecer.

Toda causa traz os seus efeitos, e depois de tanta luta e pressão, demonstrando a força de quem é maioria e de quem realmente produz nesse país, depois das conquistas de direitos essenciais, alguma transformação social era esperada:

Após 3 candidaturas mal sucedidas, Lula, um homem nascido no meio do sertão, um miserável, um menor carente que começou a trabalhar antes dos 12, para ajudar a família pobre, um menino que estudou o pouco que pode, fez curso para tornar-se metalúrgico, perdeu o dedo trabalhando, tornou-se o líder de uma classe, um dirigente sindical, um líder do povo e foi eleito presidente, assumindo o posto em 01/01/2003.

Aí outras transformações vieram, com programas sociais como o Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, Luz para Todos, ProUni, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, Brasil Alfabetizado e Educação de Jovens e Adultos, Transposição das Águas do Rio São Francisco, sanando a chaga social deixada pelo descaso político e por uma seca secular. Além disso, o governo Lula quitou uma dívida externa bilionária, à época, considerada “impagável”, e ainda retirou cerca de 40.000.000 (quarenta milhões) de seres humanos da miséria.

Nunca houve tantas mulheres e negros nos ministérios e pela primeira vez um negro foi nomeado ministro do STF.

Era engraçado. Gente que nunca teve mais que uma refeição ao dia passou a ter quatro, gente que nunca havia entrado numa sala de aula passou a entrar e a ingressar em faculdades, gente que não tinha água pra beber passou a ter rio no quintal pra nadar, gente que nunca ia à praça da cidade por vergonha passou a frequentar teatros, gente que nunca saíra de sua cidade passou a frequentar aeroportos e conhecer o exterior, gente que nunca teve um atendimento decente de saúde passou a ter e até a se tornar médico.

As conquistas vinham e o povo nem precisava fazer greve, protestos nem grandes exigências, talvez porque aquele presidente finalmente conhecesse suas reais carências e sofresse os mesmos preconceitos, passou a considerar o combate a essas injustiças a prioridade nacional.

O desemprego caiu, assim como a inflação e a taxa de juros. Os números da economia melhoraram e, pela primeira vez na História, o País se tornou credor do FMI. Segundo a ONU, os indicadores sociais melhoraram sensivelmente e o que se via aqui era um povo sentindo que trabalhava para crescer: não mais apenas para não morrer.

O trabalho passou a render inclusão, conhecimento, dignidade humana e doces frutos para o povo. O estado finalmente convertia o suor do nosso rosto em benefício social.

Foi um período de impensáveis transformações, houve paz e o Brasil chegou à 6ª maior economia mundial.

Mas a elite tava lá, no Olimpo, só de olho.

O presidente operário, de voz rouca, fala simples, jeito simples e origem simples foi reeleito no primeiro turno, em 2006, com mais de 60% dos votos e continuou fazendo um governo voltado para o povo. Deixou a presidência da república depois de dois mandatos com inéditos 83% de aprovação popular e elegeu sua sucessora, a primeira mulher a ocupar a presidência do Brasil.

Dilma Rousseff, uma mulher, esquerdista, petista e ex-guerrilheira, que chegou a pegar em armas contra a elite que comandava o Brasil durante seu período mais assassino, a ditadura militar dos anos 60 e 70, sucedeu Lula e manteve o foco no social, o que desagradou nossa atual elite (é a atual, mas é a mesma de sempre), acostumada a ter o pobre na palma da mão.

Já bastante chateada com os 8 anos de governo Lula, a elite contra-atacou!

Foram quatro mandatos consecutivos em que os presidentes pertenceram a um partido à esquerda da elite. Foram só 14, e não 18 anos, porque a elite quis voltar ao poder executivo antes que Dilma concluísse seu mandato. Foram 14 anos governados pela esquerda encravados numa história de 518 anos de governos da elite. Foram 2 presidentes tentando governar contra um congresso que representa a elite, contra uma mídia que representa a elite e contra aquele mesmo sistema judiciário do período da escravidão, basta observar as coincidências entre sobrenomes daqueles juízes e dos atuais.

Hoje, graças a Deus, o presidente Temer está reconquistando os direitos de exploração da elite sobre o povo brasileiro e sobre todas as riquezas do país. Temer, um filho branco de imigrantes ricos, desinfetou a poltrona presidencial e ocupou o lugar historicamente destinado a escravocratas, entreguistas, sonegadores, neoliberais e pilhadores dos recursos públicos e naturais do País.

Temer conta com todo o poder da elite em sua retaguarda, na moita, protegida pela mídia e pela “justiça” e, na linha de frente, como sempre, a elite conta com os capitães do mato, os covardões agressivos e os pobres mais ignorantes e gananciosos.

Já a esquerda persistente conta com a história a seu favor, conta com a fé em seu ideal, conta com o tempo como mestre, conta com uma multidão de esclarecidos e indignados e conta com muitos, mas muitos milhões de Lulas e Dilmas!!

Aprendemos, com Lula, que não precisaremos decretar uma guerra contra essa elite poderosa e invisível. Aprendemos que somos mais e mais importantes do que querem que saibamos. Aprendemos que, se unidos, somos mais poderosos que qualquer elite.

Basta não retrocedermos, basta continuarmos lutando por nossos ideais, por nós, pela correção das injustiças históricas, pelo fim da desigualdade social, pelo fim dos preconceitos, pelo bem do mais pobre e pela inclusão dos excluídos, sempre insubordinados à elite!

Não queremos outra elite podre no lugar da que já temos, queremos que a elite e a miséria se diluam nas conquistas sociais e que sejamos, todos, só humanos, felizes e plenos de dignidade.