Em São Paulo – A trajetória da artista Ana Vitória Mussi é celebrada pela exposição Lethe, Mnemosyne (Esquecimento, Memória, em tradução literal), que a Galeria Lume recebe a partir do dia 4 de abril. Com curadoria do poeta e crítico espanhol Adolfo Montejo Navas, a mostra apresenta ao público cerca de 40 trabalhos da artista, entre vídeos, serigrafias e instalações, todos baseados na linguagem fotográfica.
Ana Vitória Mussi faz parte de uma geração de artistas que, na década de 1970, incorporou novas linguagens à arte contemporânea, ampliando os temas e suportes da produção brasileira. Natural de Laguna (SC), iniciou sua carreira no Rio de Janeiro, em plena ditadura militar. Nesse contexto, subverteu os usos tradicionais da fotografia e criou uma obra potente, que questiona tanto a situação política da época, quanto o estatuto da imagem na cultura de massas – tema ainda bastante recorrente em sua produção.
Sua primeira individual em uma galeria paulistana traz um panorama bastante abrangente de sua extensa produção. Pioneira ao investigar a fotografia como um campo ampliado, a artista a enxerga para além do registro documental. Equilibra-se sobre a tênue linha que separa arte e fotografia. Não raro, suas composições partem de imagens subtraídas dos mais diferentes meios. “Ana Vitória constrói uma poética da imagem e estabelece uma ruptura perceptiva, propondo uma mudança sensível e imperecedoura da nossa relação com o imagético”, afirma Montejo Navas.
Já em seus primeiros trabalhos, a catarinense realizou uma sucessão de intervenções nos jornais cariocas. Essa fase é representada na exposição por Trajetória do osso – A Rebelião (1968), colagem na qual Ana Vitória desenha sobre fotos de protestos, inserindo nelas ossadas gigantes. A montagem cria a ilusão de que os ossos estão sendo carregados por uma multidão – clara referência ao momento político vivido pelo Brasil às vésperas do AI 5, quando as rebeliões eram asfixiadas. “As mídias passavam por um controle e uma censura absolutos do que podia ser mostrado, incluindo a própria violência que ocorria nos porões de um Estado totalitário”, conta a artista.
Na série Barreiras, Ana Vitória também se baseia em periódicos, intervindo com guache em imagens de atletas de modalidades diversas. Parte integrante do conjunto, o trabalho Boxeador (1972) traz o corpo retorcido de um pugilista. Para reconhecer que se trata de uma figura humana, o observador precisa olhar com bastante atenção, movimento constante no reconhecimento de suas obras.
“O que é a sua fotografia nesse momento? Na resposta, não cabe reduzi-la a quaisquer das variantes contemporâneas do registro automático. Essas imagens, nem figurativas, nem abstratas, estão para além da representação”, pontua o crítico Paulo Herkenhoff sobre o conjunto, ressaltando o caráter ambíguo dos trabalhos que abarca.
Concebida em 2017, a série inédita Sobremar apresenta um apanhado de fotos do Museu de Arte do Rio (MAR), complexo formado por dois prédios interligados: o Palacete Dom João VI, de estilo eclético do começo do século XX, e o edifício vizinho, fruto de um projeto modernista. Nessas obras, a artista subtrai parte das imagens e insere sobre elas planos e áreas pretas. A série, como grande parte de seu trabalho, dialoga com o movimento neoconcreto, brincando com os conceitos de construção e representação.
“Ana Vitória é autora de uma obra pulsante, que tem perpassado bem os tempos, do início de sua carreira aos dias de hoje. Sua produção segue em sintonia com a atualidade, mantendo-se permanentemente experimental”, afirma o curador Montejo Navas.
Na exposição, que segue em cartaz no espaço até 14 de maio, Ana Vitória Mussi também apresenta obras de suportes diversos. A artista insere em suas produções negativos, rolos de filmes e slides – materiais que fazem referência ao passado da artista que, entre 1977 e 1989, trabalhou como fotógrafa de colunas sociais.
Na obra À tua imagem (1978-2004), por exemplo, um rebobinador expele inúmeros negativos de políticos e celebridades, retratados ao longo de seu ofício nos jornais cariocas. De forma irônica, a artista enfatiza a passagem do tempo, que tornou o material obsoleto. Realizadas de modo a eternizar personalidades ilustres, as imagens aqui aparecem como sinal da finitude: não revelados, seus protagonistas desaparecem, amalgamados pela monótona semelhança entre os negativos.
Esse material acumulado também compõe a instalação Lethe, que nomeia a mostra. Nela, a artista une fragmentos de negativos a um fio de náilon, formando uma fita de aproximadamente 4 metros de extensão. Ao lado, cópias fotográficas são dispostas em uma mala de viagem. O tema da memória, e a forma como ela é construída pelo homem, mais uma vez é o centro de suas reflexões. “O título deste trabalho faz alusão ao rio grego Lethe, onde as almas iam se banhar para esquecer vidas passadas”, conta a artista. (Carta Campinas com informações de divulgação)
Lethe, Mnemosyne, individual de Ana Vitória Mussi
Local: Galeria Lume
Abertura: 4 de abril, a partir das 19h
Período expositivo: 5 de abril a 14 de maio
Endereço: Rua Gumercindo Saraiva, 54 – Jardim Europa, São Paulo
Visitação: de segunda a sexta-feira, das 10h às 19h | sábados, das 11h às 15h
Telefone: (11) 4883-0351