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Países que mais prendem e matam acusados não são os mais seguros do mundo

Justiça social. A melhor política de segurança

.Por Cris Grazina.

Qual a melhor resposta do estado para a violência, já que a falta de segurança pública persiste como uma das principais preocupações da população? O Brasil amarga consecutivas primeiras colocações nos rankings mundiais em números de assassinatos, divulgados pelas Nações Unidas, OMS (Organização Mundial da Saúde) e outras entidades ligadas ao tema. Sem contar outros índices igualmente alarmantes. Com isso, especialmente em anos de eleição, aparecem as soluções mirabolantes. Para 2018 estão programadas as discussões na Câmara Federal do estatuto do desarmamento e até da adoção de pena de morte.

Essas e outras medidas “radicais” (porém não efetivas) ganham força em meio a um cenário caótico de rebeliões aterrorizantes, atrasos nos salários de policias em diversos estados da federação, enfim, que causam a percepção geral de crise na segurança pública. Nesse texto, a seguir, o leitor encontrará um compilado de dados técnicos a respeito do tema, seguido de uma opinião crítica sobre o que é, de fato, prioridade para que essa triste realidade de insegurança se modifique.

Mais importante de tudo é entender que a violência é um problema socioeconômico. Marcos Rolim — pesquisador na área da segurança pública há mais de duas décadas—, em A formação de jovens violentos – Estudo sobre a etiologia da violência extrema, lançado em 2016, aponta que o fator determinante para que jovens tornem-se autores de crimes violentos, ao invés de trabalhadores, é a evasão escolar. Dos 111 jovens entre 16 e 20 anos entrevistados, que cumpriam pena na Fundação de Atendimento Socioeducativo do Rio Grande do Sul, 100% tinham largado a escola aos 11 ou 12 anos de idade.

De acordo com estudo de Rute Imanishi Rodrigues, sob o título Moradia Precária e Violência na Cidade de São Paulo, publicado em 2006 pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), há correlação entre as maiores taxas de homicídio na capital paulista e áreas onde se vê a omissão do estado.

Não necessariamente, segundo a pesquisa, toda comunidade pobre é violenta. Mas, a sobreposição da realidade de baixa renda com a negligência estatal (carência de escolas, infraestrutura urbana básica, oportunidades de trabalho) submetem essas populações a desvantagens sociais e econômicas que criam um ambiente propício à desilusão e índices de criminalidade elevados.

Ainda que não seja a variável mais decisiva, como será demonstrado a frente, a rarefeita cobertura do aparato policial e de Justiça nessas comunidades dá margem para o poder paralelo, que logo acaba por aliciar os jovens dessas regiões, encaminhando-os para o crime. Ainda sobre a juventude há um dado importante: As maiores vítimas da violência são jovens entre 15 e 29 anos. Segundo o Atlas da Violência 2017, jovens correspondem a 54,1% dos assassinatos registrados.

Outro brilhante documento também publicado pelo IPEA, em 2003, cuja autoria é de Daniel Cerqueira e Waldir Lobão, comparou a projeção de tendências da evolução de homicídios/100 mil habitantes nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo. Foram feitas simulações de realidades possíveis a partir de diferentes valores (maiores ou menores) para variáveis tais como o gasto com segurança pública, desigualdade e renda, entre o ano 2000 e 2006.

O único cenário onde houve ruptura da escalada do número de homicídios nas duas metrópoles foi o que estabelecia a queda anual da desigualdade social durante a série temporal considerada. Nos contextos onde se estipulava estagnação da desigualdade, por exemplo, e o incremento do orçamento da segurança, mesmo que com algum efeito, não necessariamente constata-se reversão da evolução das mortes. Nas palavras dos próprios autores “não há como equacionar questão da criminalidade na região sem que sejam superados os grandes problemas socioeconômicos, particularmente relacionados à desigualdade da renda e ao adensamento populacional”.

Isso não desmerece a importância das forças policiais, muito pelo contrário. Porém, ressalta o erro estratégico da perspectiva dominante de segurança pública brasileira, que foca no incidente e não nas causas. Arrisca a vida de dedicados servidores num combate não inteligente ao crime. Vez ou outra, tomamos conhecimento do desabafo de algum policial que diz ter a impressão de estar “enxugando gelo”. Faz todo sentido.

E a situação tende a piorar caso essa lógica não mude. As respostas mais comuns que vem sendo apresentadas são torpes, envolvidas nos discurso de ódio e muito oportunismo político.

A falta de segurança é um problema multifocal, com variáveis complexas relativas à conformação da nação brasileira. Tem a ver com a origem da nossa sociedade, seu processo de urbanização acelerado e desassistido pelo estado, a migração forçada e a instalação dos despossuídos em áreas degradadas ou/e de risco. Questões essas que não serão desfeitas com frases prontas, análises grosseiras e “tiros pra todo lado”.

Não são os países que mais prendem, matam, ou que amputam membros de criminosos, que confundem justiça com vingança, os mais seguros do mundo. Mas, justamente o contrário. Como é o caso da Áustria, Dinamarca, Finlândia, Austrália e outros exemplos, onde se conhecem mais políticas sociais do que punitivas. Essas pautas polêmicas são cortina de fumaça visando desviar a atenção da sociedade civil, primeiramente, dos escândalos recentes e das faltas do estado brasileiro na promoção de direitos elementares para os cidadãos.

O reducionismo também é característica marcante das propostas pseudo-radicais. Objetivamente falando, muitos tratam o problema da violência somente considerando furtos, assaltos, roubos, onde é mais fácil identificar o “cidadão de bem” e o “meliante”, etc.

Esquecem-se esses das ocorrências de desinteligência entre vizinhos, familiares, os crimes classificados como feminicídios. O que uma arma iria resolver numa briga de marido e mulher? Que segurança a mais traria para a circunstância em questão? Colocação feita em referência, no caso, à discussão sobre o estatuto do desarmamento no tocante à sua revogação. Nesta realidade terrível devemos ainda contar a violência no trânsito, a infantil, enfim, todas outras frentes dessa crise deixadas de lado pela compreensão mais simples.

Outro erro é apostar no aumento do encarceramento como solução. Segundo dados do Infopen (Informações penitenciárias), publicadas em matéria da Revista Época: Gambiarra Nacional, Edição 1019/2018, O Brasil no geral já registra um nível de 206,5% de superlotação em seus presídios. Em alguns estados o número é ainda mais horripilante. No Rio Grande do Norte, e no Amazonas, os índices chegam a 176,5% e 483,9% respectivamente! E ao passo que o encarceramento aumenta, no mesmo sentido a violência cresce. Aí iremos expandir uma política pública evidentemente fracassada também para menores de idade com a redução da maioridade penal? Pura estupidez.

Por fim, pelos dados aqui colocados, e outros que certamente existem, pode-se concluir que existem elementos mais que suficientes para afirmar a relação umbilical entre desigualdade social e insegurança pública. Por outro lado, o caminho mais rápido e certo para a solução da questão já foi apresentado pela ciência. Se os gestores públicos se dedicarem poderemos ter bons resultados num relativo curto espaço de tempo. Com interferência nos níveis de segurança e, principalmente, da edificação de um país finalmente desenvolvido e socialmente justo. Basta querer! (Grifos Carta Campinas)

Cris Grazina é jornalista e ativista social. Bal. Em Gestão Pública/Unicamp.

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