.Por Luís Fernando Praga.

Venho, neste último texto de 2017, agradecer a todos os que me desejaram um feliz ano novo!

Pronto, agradeci de coração, mas cabe a reflexão: desejamos feliz ano novo de forma tão automática, ano após ano, que o significado do voto foi ficando descorado, insosso, sem profundidade, sem verdade e sem vontade, como se bastasse soltar as palavras ao vento e a sua parte já estivesse feita.

“Eu lutei para que os votos de milhões de pessoas fossem rasgados, pedi para que uma justiça e um congresso corrompidos destituíssem a presidenta que eles escolheram e colocassem no lugar este que ninguém quer; fui conivente com a injustiça e cúmplice incauto de um golpe de estado e do retrocesso trazido por ele, mas antes eu havia desejado um feliz ano novo!”

Não me parece tão simples…

Precisamos enxergar e aceitar que a felicidade de todos, queiramos ou não, ainda depende de decisões políticas; das dos políticos e das do povo.

Se um político coloca seu país em guerra, sabe-se lá por quais interesses, toda a nação sofrerá com a destruição de sua história, de seu patrimônio e com a morte de seus filhos. Se um povo elege um político de discurso belicoso, a decisão da guerra passou pela decisão do povo.

Se um político promove reformas que aumentam o desemprego e reduzem o poder aquisitivo das classes mais carentes, muitas pessoas que movimentavam comércios, cinemas, bares e restaurantes mais populares deixarão de consumir; a população que exercia ocupações informais, os flanelinhas, os ambulantes e vários prestadores de serviço que atendiam a esta classe não terão mais a quem vender ou prestar seus serviços; essa população, que é muito numerosa no Brasil, perderá sua fonte de renda, mas continuará precisando sobreviver e alimentar suas famílias. É fato, teremos mais furtos, violência, inadimplência e criminalidade, o que comprometerá a felicidade de toda a sociedade e de cada um que a compõe. Se um povo exigiu que esse político tomasse posse à força, ignorando alertas quanto às consequências e desdenhando do voto da maioria da população, esta infelicidade e o decorrente caos social serão os efeitos da decisão política de um povo que adora dizer “feliz ano novo!”.

Há quem despreze o poder do voto, abomine todos os políticos e seus partidos, mas tais pessoas também são gente, têm RG e CPF, são vítimas da violência social, do veneno nas águas e na comida, do trânsito caótico, da perda dos direitos.

Mesmo que vivam no alto da montanha, que plantem e cacem tudo o que comem, eles dividem o mundo com gente escravizada e que morre de fome, e não enxergar a dor dessa gente, não se comover com o fato de que eles não conhecem opções além do abandono, do cativeiro e da escravidão é uma postura egoísta.

Como já disse, creio num mundo feliz, em que as liberdades e autonomias sejam respeitadas e onde não seja preciso que um estado imponha regras ao povo, mas se, ainda assim, mantiver o nome de estado, sua função será a de prover e zelar. Lideranças naturais, indivíduos adequadamente informados e um povo educado pela liberdade e para a o respeito aos semelhantes saberão decidir os melhores passos da imprecisa caminhada humana.

Sei que não vivo tal realidade e que não a viverei. Sou um coadjuvante do momento presente, mas acredito nela, porque a enxergo no futuro de nossa espécie e, assim, posso vivenciá-la um pouco, de certa forma.

Para que as liberdades individuais sejam respeitadas, naquele futuro utópico, é preciso que todas as pessoas estejam atendidas em suas carências básicas e, enquanto isso não ocorrer, posturas egoístas e de descaso social apenas nos afastarão da meta.

É preciso expor o vínculo indissociável entre a solidariedade humana e o fim da desigualdade social e priorizar o fim da desigualdade a cada dia! Precisamos ter a fé, em nós, de que somos capazes de lutar por esse objetivo e vencer! Precisamos da máxima clareza de que a aberração do abismo social é quem inviabiliza a paz na humanidade, em cada país, em cada cidade e em cada lar.

Precisamos divulgar a cultura da sustentabilidade e precisamos criar instituições que ensinem ocupações sustentáveis a quem, hoje, vive em situação de miséria.

Precisamos que todos tenham consciência de que somos iguais merecedores da dignidade, do respeito e da proteção do estado. Não há feliz ano novo a todos se, não for a TODOS!

Precisamos de multidões tendo acesso a todo o conhecimento possível, pensando todas as possibilidades que a liberdade nos reserva e depositando sua fé na revolução da evolução!

Mas, queiramos ou não, quem mobiliza as massas são a mídia, a religião e a política, e não podemos ignorar que essas três forças estão amalgamadas num só corpo monstruoso, alimentado pelo dinheiro de grandes corporações capitalistas, que aliena, polariza, mente e devora todo o potencial transformador das massas.

Não podemos mais ignorar que a rede globo é uma empresa capitalista, mundialmente poderosa, que se chafurda na lama podre da política brasileira, como outras grandes mídias, desde suas origens, as quais, desde sempre, encobrem o que querem e divulgam o que for de seu interesse, manipulando o povo!

Não podemos mais ignorar a invasão de pastores hipócritas e multimilionários nesse mesmo chafurdar político!

Não podemos mais ignorar que colocar a palavra “deus” no começo, no meio e no fim de cada frase não torna o orador mais confiável! Não podemos ignorar que é uma estratégia usada há séculos, pelos piores crápulas da história, para enganar um povo que, há séculos, é fiel e ignorante! Não podemos mais ignorar que colocar “deus” dentro de cada frase, por mais que possa refletir uma boa intenção, não tem resolvido nossos problemas. Não podemos mais ignorar que as religiões nos impõem dogmas e promessas vazias em troca de nossa alienação! Não podemos ignorar que colocar deus sobre todas as coisas tem colocado a humanidade num segundo plano e não podemos mais ignorar que o conceito de se “colocar deus no coração” é um conceito abstrato, pessoal, e as diferentes crenças precisam ser respeitadas!

Não podemos aceitar que humanos odeiem e matem humanos em nome de Deus! Aliás, eu nunca havia visto tanta demonstração de ódio ao diferente como vi nos dois últimos anos.

Não podemos mais ignorar que uma entidade de caráter duvidoso e trajada com o manto da benevolência exerce uma relação promíscua, de proteção e troca de favores com o monstro que nos aprisiona: o sistema judiciário.

O monstro treme diante da massa unida e desperta… Quem não a temeria? Por isso ele se esforça por impedir o despertar, a união e a libertação dessa massa, e se utiliza do sistema judiciário, com seu condão de criminalizar e punir a qualquer um que tente enfrentar e desmascarar o monstro.

Mas há outra entidade, ainda mais poderosa, que paira sobre nossas consciências, que não é regida por ninguém, muito menos por uma hierarquia de magistrados escolhidos, e que também participa de nosso cenário de lutas: a JUSTIÇA, que quer se entregar, gratuitamente, a toda a humanidade, curar nossas feridas e indicar um caminho seguro para todos.

Todos os que desejam, com sinceridade, um feliz ano novo devem lutar a luta da JUSTIÇA e entender que a “justiça” dos homens deve, sim, ser sempre questionada e sistematicamente confrontada, posta em dúvida e pressionada, porque a história está repleta das piores injustiças e atrocidades cometidas por ela!

A luta JUSTA é a luta pelo bem comum, e não se galga o bem comum a partir de outro ponto, que não, o bem dos mais carentes. Pessoas não devem mais morrer antes do tempo, tão corriqueiramente, como ocorre hoje, e nossa sociedade fingir que não é com ela. Os excluídos devem passar a sobreviver dignamente, despertar para a beleza da vida e descobrir que podem “ser”, tanto quanto qualquer outro ser humano! Devem aprender que podem plantar seu alimento, construir sua moradia e que são capazes de uma autonomia muito mais digna e rica em possibilidades que a atual submissão, muito antes de aprenderem a recitar salmos!

A luta da JUSTIÇA é para que todas as crianças recebam a informação adequada, a fim de que se tornem adultos socialmente saudáveis, cidadãos amáveis de verdade, porque terão aprendido no amor ao ser humano, não na competição e na guerra!

A prioridade é o despertar dos excluídos para o pensamento crítico: então receberemos todo o benefício social gerado por essa nova massa pensante!

Isso não é doutrinação ideológica, é o apresentar de uma verdade lógica, acolhedora, libertadora e atingível, que já pesa no ar e que despencará como chuva sobre humanidade! É um crime excluir pessoas dessa verdade e é de uma omissão criminosa conhecê-la e não lutar para que ela chegue a todos!

Pessoas não podem mais nascer nessa selva que criamos e ser abandonadas por nós, como se a culpa fosse delas! Pessoas não podem mais ser escravas de pessoas, qualquer coisa é melhor que isso!

Desprezar as poucas oportunidades disponibilizadas pelo sistema, mas conquistadas pela luta do povo, é abrir mão de uma das mais importantes ferramentas de abrir caminhos.

Somos ignorantes históricos. A história sempre foi manipulada de forma tendenciosa para que a massa não tenha acesso à verdade, mas não podemos mais ignorar que, agora, a história está em nossas mãos e somos nós, o povo, que a transformamos!

Não podemos mais ignorar que políticos são pessoas, e que, se há pessoas e pessoas, todas imperfeitas, há, também, políticos e políticos, todos imperfeitos!

Não podemos ignorar que, se há pessoas que buscam o caminho da JUSTIÇA e da libertação humana, o fim da escravidão, o fim da miséria e da fome, também há políticos que perseguem tal caminho e a história da humanidade comprova isto.

A história da humanidade comprova que políticos que se empenham no despertar e na educação de um povo são sistematicamente perseguidos, difamados, exilados, encarcerados e mortos por aqueles que defendem o poder vigente, a manutenção das estruturas, o conservadorismo, o monstro.

Precisamos enxergar a imensa diferença entre um mísero centímetro caminhado rumo à libertação, e vinte anos de retrocesso no sentido do fascismo, das privações, da exclusão e da escravidão.

Nossa decantada aversão à política fez com que muitos adotassem a máxima do “é tudo farinha do mesmo saco”, mas não é. Há os políticos coerentes, que sempre votam em favor do povo, há os coerentes que sempre votam contra e há os coerentes que sempre votam por interesse próprio. Há quem, metodicamente, envie projetos inclusivos e sustentáveis e há quem metodicamente os vete. Há um congresso majoritariamente “do mal”, que se diz “do bem” e que foi eleito por gente que se diz “do bem”; aliás, ninguém se diz “do mal”, talvez ninguém seja, talvez o mal seja não nos enxergarmos ignorantes e capazes de evoluir.

Não se pode desejar feliz ano novo a todos, sem que se deseje o bem de TODOS de verdade! Não se pode fingir que mais da metade da humanidade não existe!

Há que se prestar mais atenção a quem elegemos, em como eles votam e a quem representam.

Há que se despir dos preconceitos fomentados pelo monstro que nos quer sempre cativos da mesma ignorância.

Minha utopia é menos utópica que a do retorno de alguém que já morreu e que voltará para consertar nossos equívocos e aliviar nossas penas magicamente. Já aguardamos, inertes, e fomos explorados e enganados a troco dessa esperança por tempo demais, e isso, cedo ou tarde, deixará de ser uma opção.

Minha utopia, que não é minha, mas de tanta gente, em tantas épocas distintas, carece de gente que creia nela, carece de volume de povo esperançoso, lutando por ela e pensando fora dos dogmas e convenções do sistema. Não precisamos mais espalhar templos pelo país, apinhá-los de gente carente de esperanças, pronta para replicar discursos fantasiosos e alienados, cheios de exaltação ao ódio e à servidão, em suas entrelinhas.

Precisamos é de amor! Mas a consciência política não faz mal a ninguém…

Que cada um caminhe no sentido da PAZ, da JUSTIÇA e da LIBERDADE, e que elas encontrem, em nossas atitudes diárias, o berço acolhedor e seguro para que cresçam fortes e possam nos fazer crescidos!

Um feliz amanhã a todos, a cada um dos leitores e dos eleitores desses tempos conturbados! A transformação bate à nossa porta! Há que se permitir que ela entre e nos transforme!