.Por João Neves.

A letra “a”, cuja sonoridade se expressa na forma /a/, serve, em algumas situações específicas, para nossa língua de origem indigena-afro-latino-grego como um prefixo de negação. Ou melhor, como forma sonoro-linguística de apresentar algo negativo ou de negação na palavra que em sua origem não necessariamente se pressuponha algo que seja positivo ou afirmativo. Por exemplo: Anônimo, Ateu, Amoral. Adjetivos que por aí andam me identificando.

Nunca havia pensado que a palavra/mês AGOSTO, poderia ser lida como uma representação de algo sem-gosto. Que negace algo de bom e que, com esse signo sonoro, gramaticalmente chamado de prefixo “a”, nos levassem também ao desgosto. Como perceberam, a gramática, por mais que seja rica em detalhes, não conseguiu explicar essa relação entre o mês anunciado e as dores que ele me provocou.

O dia de hoje começou cansado. Sentia o corpo se dobrar para a cama por quase toda a tarde. Não me entreguei, precisava ler, produzir aulas e provas. O doutorado também está puxado. Mamãe e papai não param de se preocupar. Não porquê estou trabalhando – em excesso, confesso – com gratificantes projetos, mas talvez por verem, outra vez o mundo girar com força. Prometo que não lhe deixarei deprimido até o final do texto…Quer dizer talvez.

Quando já estava de noite, a Gezebel resolve tocar um violão com as amigas. Afinal, chegávamos nos últimos instantes do domingo e os corpos ainda estavam quentes da madrugada passada.

– Pega lá o violão!

– Aí gente, eu tenho vergonha!

– Ah, traz lá!

– Blz!

Enquanto tocava quase todo seu repertório – que era ótimo, diga-se de passagens – lembrávamos, TODOS, da adolescência [ OHHH!! AQUI, NESSA PALAVRA, “ADOLESCÊNCIA”, TAMBÉM TEM /A/A/A/A/]. Reminiscências… Sim. Queridos. Estamos, cada dia mais, e mais, lhe dando com memórias… Menos a Renata que, seguindo seu espírito nietzschiano de ser, brinca com o esquecimento.

Enfim, chegou um momento de lembrar de algo mais contemporâneo. Algo que estrala na cabeça e pulsa nos corações de uma geração atualíssimas de cantoras sertanejas que bebem em fontes feministas. Marília Mendonça! Música: Folgado.

– Abre o cifraclub! Coloca lá: Folgado, Marília Mendonça

Eis que tenho uma grande alucinação. A produção musical comeu o punk! Deglutiu-o e rumina constantemente essa forma marginal, suja e grotesca dos ratos de porão/garotos podres. Ouçam e vejam como não estou louco.

É um vídeo não muito sofisticado para os dias atuais. Conseguimos captações do tipo com câmeras DSLR. Uma cânon 60D ou algo similar cumpriria bem esse papel. Já vi algumas filmagens que conseguem o resultado com coisas até mais simples. O que encarece nessa produção em especial é a quantidade de agentes terceirizados envolvidos na cena. Suspeito que tanto os músicos quanto o cara que colocou o microfone para captação da percussão foram contratados para o dia dessa gravação. À parte disso, muitas bandas independentes estão fazendo algo do tipo em casa! Sem terceiros, é claro! Exemplo: Pássaro concreto [outro dia volto a falar sobre vocês!]

Além do aspecto de montagem do vídeo que, neste caso, estava em questão o DVD da novidade do sertanejo pós 2013. Marília Mendonça canta, no linguajar popular, sertanejo universitário de ensino superior privado ou em via de, os assentos dados pelas culturas feministas na música popular brasileira. A canção é operada a partir do rearranjo subjetivo feminino na contemporaneidade.

Não venha não

Eu vivo do jeito que eu quero

Não pedi opinião

Você chegou agora e, ta querendo mandar em mim

Da minha vida cuido eu!

[…]

Eu nunca tive lei

E nem horário pra sair nem pra voltar

Se lembra que eu mandei você acostumar

To te mandando embora

Melhor sair agora

Não vem me controlar

 

– E cadê o punk nisso?

Quatro acordes. Simples, secos e molhados. Paletadas para cima e para baixo no ritmo do sertanejo. Mensagem direta!

Tá. o refrão é algo muito POP/indústria cultural de marca. Mas aperte um pouco mais e vemos o espírito “Do it your self” dos punk interagindo – ou melhor, sendo ruminado – nesse processo. Quer ajuda? Vejam a gravação dos The Ramones em 1974 no CBGB. 4 jovens querendo falar do cotidiano, das mazelas dos dias de agosto.

As dores da cidade de Nova York naquelas décadas geraram isso! Os Ramones, cantou, no linguajar popular, pobre miserável semianalfabeto desempregado, os assentos dados pelo ressentimento e pela revolta na música popular. Suas canções são operadas a partir do rearranjo subjetivo orquestrado pelo capitalismo neoliberal da segunda metade do século XX.

Talvez não tenha lhes convencido sobre a relação entre o punk e a Marília Mendonça. Não importa, só queria escrever, pensar bobeiras e esquecer de Agosto. Durante o inverno as noite são mais longas, algumas plantas passam por mudanças enquanto outras tantas morrem e se dissipam no espaço/tempo.

Ontem (sábado 26/08) duas mulheres voaram, ganharam outras tonalidades e formas. Foi trágico. Agora as encontraremos em seus vestígios, nas marcas de suas pulsões sensíveis deixadas pelos caminhos de suas vidas humanas. Desejo que suas sensibilidades intelectuais/acadêmicas ganhe forma de livro e arrastem-nas para rincões cada vez mais profundos e vivos de nossas subjetividades.

João Augusto Neves Pires é historiador e membro do grupo de Pesquisa em Música Popular: História, Produção e Linguagem da Unicamp e do Coletivo de Mídia Livre Vai Jão.