Por Allan Yzumizawa
O artista plástico e professor Fábio de Bittencourt, que começou os estudos de arte aos 15 anos em São Paulo, capital, concedeu uma entrevista exclusiva em seu ateliê, localizado na Vila Industrial, em Campinas.
Fábio começou sua trajetória frequentando o museu do Lassar Segall, na capital paulista. Lá aconteciam diversas atividades culturais como cinema, ateliê de desenho e modelagem, além das exposições, que o influenciaram inicialmente.
Nesta entrevista, Fábio de Bittencourt (foto) fala sobre sua trajetória artística, sua ligação com Campinas, que começou ao cursar a Unicamp e continua até hoje. Nesse percurso, ele relembra suas experiências e monta um quadro dos movimentos artísticos da cidade nas últimas décadas.
Allan Yzumizawa: Quando você começou com o desenho?
FB: Fazia as aulas de modelo vivo e ficava muito interessado nas exposições do Museu do Lassar Segall. Lá eu vi uma exposição da Käthe Kollwitz e foi muito forte pra mim, a própria produção do Segall – nunca gostei muito do modernismo no Brasil, mas os expressionistas eu gostava. Na biblioteca de lá tinham muitos originais do modernismo alemão – tinha livro assinado do Kirchner, do Paul Klee – porque o Segall ia nas exposições deles e mandavam assinar. Eu cheguei a ver o Segall vivo. Então houve uma passagem de geração do expressionismo brasileiro pra minha geração. Eu não gosto de me afiliar, mas muita gente me considera como expressionista.
Na época, a gente tinha um grupo de pintura de amigos. Uma das rotinas de pinturas era sair para pintar e desenhar no cemitério. Lá a gente estudava perspectiva, que era o caminho das ruas do cemitério, e também desenhava as esculturas para estudar a figura humana – isso rolou uns dois anos, na década de 1980.
Quando adquiri uns cinco anos de produção, comecei a me preocupar com a minha formação. E um amigo meu avisou que ia abrir um curso de Artes Visuais na Unicamp. Então ingressei em 1985, na segunda turma de artes.
AY: Você veio pra Campinas, por causa da Unicamp?
FB: Sim, especialmente para Unicamp. Eu vim pra cá (Campinas) em dezembro para fazer um curso de escultura com o Marco Do Valle, e ele me deu o maior incentivo, e só depois ingressei na universidade. Por incrível que pareça foi um pouco decepcionante o curso. Eu tranquei porque eu tinha uma expectativa muito grande em trabalhar a figura humana e estudar anatomia, pois eu estava com uma carga com desenho muito grande em São Paulo e quando cheguei em Campinas, isso caiu.
A formação era boa, tinham professores como, Ermelindo Nardim, Marco Buti. Também os de História da Arte – na época era o Eduardo Subirats – que é o cara que escreveu Vanguarda Pós-Moderna – e o José Roberto Teixeira Leite. Mas quanto à produção, ficou a dever.
No final da formação eu tinha recebido uma proposta para voltar a São Paulo com uma oportunidade de emprego de pesquisa e como aqui eu estava sem emprego, resolvi trancar a Unicamp e voltar. Mas vi que o buraco era mais embaixo, que não ia ser fácil firmar minha carreira por lá. Meu grupo de desenho já tinha se dissolvido, o curso de desenho que fazia no Lasar Sagall tinha sido trocado pelo curso de gravura, então estava desolado. Foi quando no final do ano, a Unicamp começou a dar bolsa de trabalho, então resolvi renovar a minha matricula, voltar pra Campinas e trabalhar na Unicamp. Ou seja, voltei a contra gosto para cá, mas com o pé no chão. Menos encantado com esse universo.
AY: Quando foi a sua primeira exposição?
FB: A minha primeira exposição foi na Folha de S. Paulo. Foi uma coletiva que eu participei com uma charge em 1982. Mas a minha primeira individual foi aqui em 1985 na Galeria da Unicamp, logo no ano em que eu entrei. Foi a primeira individual de um aluno, até porque, só os professores expunham. Teve uma puta repercussão. A maioria dos trabalhos eram figurativos, mas tinha uma técnica diversificada, sabe? Não sei se eu lembro, mas a exposição se chamava “As figuras e suas técnicas”. Tinham 80 desenhos em técnica mista. O interessante era que esses trabalhos apontavam para vários lugares, algumas coisas que ali começaram, viraram posteriormente, séries de trabalhos.
AY: Mas aí você já tinha uma preocupação com a expressão, vinda das suas experiências dos cursos do Lassar Segall?
FB: Total.
AY: Com essas referências do expressionismo alemão?
F: Já tinha uma vontade de expressão, que sobrepunha a parte clássica da formação. Então a expressão, a vontade de conquistar uma figura, uma imagem, a força do traço, materiais rústicos… Já estavam acontecendo. Também a expressão através do meu corpo, já estava presente.
AY: E seus colegas em Campinas? Quem eram os artistas daqui com quem você dialogava?
FB: Olha, o cenário cultural de Campinas nessa época era bem limitado. Você tinha basicamente três bases de produção aqui. Noventa por cento ligado a pintura, que era o grupo Vanguarda. Na época seis deles ainda estavam vivos: Bernardo Caro, Geraldo Jurguensen, Biojone (Francisco), Raul Porto, Mário Bueno e Enéas Dedeca. O grupo era composto por nove integrantes, mas acho que dois eram uruguaios, ou argentinos que saíram do país ou haviam falecido, não me lembro.
Então, eles tinham acabado de fechar uma galeria em 1985, chamada Galeria Aremar que era do Raul Porto. O grupo Vanguarda era muito unido, e eu era um jovem que não tinha nenhum contato com eles, mas sabia que existiam. Daí tinha um grupo de pintura de senhoras que se reuniam aos finais de semana, que era uma pintura de formação mais neoclássica. Também tinha um grupo intermediário, pós grupo Vanguarda, mais ou menos da década de 1970 que era ligado a uma galeria chamada Aquarela, coordenada pela Luiza Raposo. Ela aglutinava esse grupo que era composto por Rosa Moreno, Gilmar Bartolo, Emanuel Rubin, Afranio Montemorro, entre outros. Era um grupo emergente, e mesmo sendo mais velhos do que eu, me identificava mais. Então, eu passei a frequentar a galeria Aquarela.
Além desses grupos, tinham outros dois caras que ficavam isolados que era o Egas Francisco e o Alberto Teixeira.
FB: Não quiseram se juntar. Tinham até críticas a esses grupos. O Egas expunha na Aquarela, mas ele não queria se envolver com o grupo. O Alberto Teixeira, que pra mim era um dos melhores, era um português que pintava e fazia umas aquarelas lindas. E ele viveu na década de 1960 em Nova Iorque, ganhou uma bolsa e foi estudar lá. Então ele conviveu com a vanguarda norte-americana do pós-guerra, com Rauchenberg, Jasper Johns, Pollock… ele viu exposições desses caras ainda vivos. Era uma cacetada, jogava a suas referências e produções lá em cima. Então ele veio com isso para o Brasil, até que foi um dos fundadores do curso da PUC-Campinas, era excelente. Ele tinha um papo maduro sobre pintura, coisa que tive com poucas pessoas por aqui.
Depois quando voltei a estudar em 1987, resolvi que ia ficar mais em São Paulo, então resolvi me juntar a artistas que eu gostava: Roberto Micoli e Sérgio Niculitcheff, que agora é professor de pintura da Unicamp, o grupo TupiNãoDá, Jaime Prades, o grupo Casa 7 – principalmente o Rodrigo Andrade que deu uma atenção para o meu trabalho – e o Leonilson.
Conheci o Leonilson através de um artista que se chama José Roberto Micoli, que era mais do construtivismo, e ele me chamou para conhecê-lo. Aí o Leonilson gostou de mim, gostou do meu trabalho, mas ele era bem fechado, bem restrito. Então quando estava em São Paulo, duas vezes por semestre eu ia visitá-lo em sua casa.
AY: Quando sua produção começou a se projetar?
FB:No final dos anos 1980 comecei a ganhar uns prêmios em salões. A partir de 1988 comecei e fiquei nessa até 1996. Participei mais de 50 salões pelo Brasil.
AY: E o mercado?
FB: O mercado estava muito aquecido. Eu fui numa exposição do Luiz Hermano no MASP que ele me mostrou da mão dele, 70 mil reais. Isso é outro tempo, você ir na abertura e vender 70 mil reais. Isso pra gente que era jovem fascinou, não pela grana, mas porque a gente acreditava que o mercado ia ter uma estrutura, sabe? Parecia que era um fato que esse mercado ia se solidificar, que as galerias iam ser eternas. Ou seja, que as crises econômicas que aconteceram nos anos 1990 e 2000 não iam abalar. Existia um sonho, que em parte aconteceu. Muitas pessoas compravam apartamentos depois de uma abertura etc.
AY: E o mercado aqui em Campinas, existia?
FB: Não (risos). Não quero me gabar, mas eu não conseguia encontrar pessoas para ter um diálogo desses aqui. A galeria Aremar e Aquarela fecharam e cada um foi para o seu ateliê. Não tinha diálogo dessa produção local no contexto mundial, ficava muito restrito e eu buscava esse diálogo em São Paulo, em Minas Gerais e nas Bienais.
Eu lia muito Art América, Art Forum e dava pra acompanhar a produção que estava acontecendo no mundo, sabe? Então eu tinha um ou outro diálogo com professores da Unicamp, um deles era o Ermelindo Nardim. Ele era um cara bem informado, mas a maioria dos professores tinha um certo receio do que estava sendo produzido, falavam que era fogo de palha, que era festeiro. Mas não foi.
AY: E o que te fez continuar em Campinas?
FB: Foi o trampo e uma acomodação da minha parte. Eu acho, Allan, que ficar em Campinas não foi o de todo ruim. Por exemplo, você tem a Vânia Mignone que mora aqui e que tem uma presença em São Paulo decisiva. Ficar em Campinas, foi até uma estratégia de poder ter um reconhecimento aqui. Não é porque você está em São Paulo ou Rio que terá uma garantia.
Eu não tive uma galeria por conta do meu trabalho ser mais ligado ao underground, e a certas exigências materiais. Tentei algumas galerias, estive em três. Adriana Penteado, a Galeria Penteado aqui em Campinas e a Kramer em São Paulo.
Acho que a minha inserção foi quando o mercado já estava em crise. Quando o meu trabalho amadureceu, a gente já estava numa crise econômica que foi pós-Collor (Fernando). Então, as galerias estavam fechando, a partir de 1993. Os investimentos eram votados para as industrias, carro, viagens, ninguém queria comprar arte.
Eu acho que, de uns dez anos pra cá comecei a vender. Desde coisa alta (valores) até valores baixos, dependendo das circunstâncias. Eu já vendo há 15 anos, uma coisa ou outra, basta estar expondo. Eu não posso reclamar. (telefone toca)
Só que tá tendo a SP-Arte, eu nunca tinha ido, mas eu fui esse ano e me surpreendi. Encontrei com amigos das antigas que me reconheceram e me perguntaram se eu ainda continuava a produzir. Houve um interesse, peguei cartão de três galerias para levar meus trabalhos, e foi uma surpresa.
Quando foi no final dos anos 90 veio a onda da arte conceitual – essa discussão sobre autoria – criou-se um preconceito com a pintura. Hoje a poeira está abaixando, por exemplo, no espaço de vocês (Torta), vocês aceitam tudo: instalação, objeto, pintura. Vê de igual pra igual, a arte e o artista com a linguagem dele. No começo não foi assim, a performance estava em alta, instalação e arte conceitual, mas hoje em dia você vê outras estratégias para o artista. Fiquei animado em buscar contato com galerias.
AY: por que você acha que as galerias não conseguiram se manter em Campinas?
FB: A elite econômica e colecionadores daqui não tem interesse na nossa produção.
Mas em 2010, a CPFL fez uma retrospectiva de artistas de Campinas e região. Eram 8 artistas e 8 artistas de fora que se organizavam em pares, a exposição se chamava “Afinidades Eletivas”com curadoria do Agnaldo Farias. O meu par era o Gil Vicente. Essa exposição teve uma repercussão muito grande, e após a abertura, veio muito colecionador interessado em comprar a minha obra.
AY: E como anda a sua produção atualmente?
FB: Estou produzindo… Não consigo para de produzir. Hoje em dia a minha produção está muito ligada ao desenho e às pinturas, voltando para a figura, mas sempre atravessado pelo gestual que cresce cada vez mais.
Críticos de arte já vieram aqui, a Kátia Canton já escreveu sobre o meu trabalho, o Álvaro Falheiros, Agnaldo Farias, Teixeira Leite, Marcos Rizolli e Lisette Lagnado (quando ela veio dar uma palestra na AT AL 609), o pessoal do Itaú Cultural quando me catalogaram…. Pelo menos num nível estadual, há um certo reconhecimento na minha produção.
AY: Pra finalizar, queria que você mencionasse um pouco sobre os artistas que você gosta, daqui de Campinas.
F: Olha, eu conheço pouco sobre a produção dos jovens daqui. Acho que porque a Unicamp nos últimos 20 anos teve uma queda da produção de pintura. Via pouco estímulos aos alunos. Eu acabei tendo um contato mais na produção de alguns intermediários. Especialmente são três que é a Vânia Mignone, o Gilmar Bartolo e o Thiago Bortolozzo. A Vânia, eu adoro. Até me limito olhar demais para não me influenciar. (risos)
Agora o pessoal mais antigo, Bijone e o Egas eu respeito, mesmo não tendo muita proximidade pessoal e artística.
AY: Quais são as expectativas na sua produção e o que você projeta no cenário de artes visuais de Campinas?
FB: Olha, a minha produção amadureceu, e tenho expectativa em buscar galerias em São Paulo e Rio de Janeiro para projetar uma melhor visibilidade. Com relação a Campinas, eu não espero nada. Eu fico contente em ver o underground aqui. As iniciativas que nem foi o evento Trânsito Livre, estão se solidificando e melhorando nessa articulação. Mas em termos comerciais, acho que está distante. Cada um se vira como pode.
Os espaços são uma estratégia, como a casa Torta, a galeria Folha, ATAL…, acho que esses espaços estão amadurecendo para poder atrair um público que possa financiar, que possa comprar. Não existe um circuito comercial em Campinas. Vocês fizeram um evento sobre circuito artístico na casa Torta em que foi pouca gente, é difícil a produção hoje em dia, parece que existe um bloqueio entre a produção universitária e os artistas que estão na cidade.
Parabéns pela entrevista Allan, parabéns Fábio. Linguagem clara com visível conhecimento da realidade local.
Por favor, gostaria de saber se os pais do Fábio chamavam-se Marlene Bittencourt e Fausto. E seu avô materno era Lourenço de Mello Bittencourt. A família Bittencourt busca por informações sobre os descendentes de Lourenço Bittencourt.