Por Luís Fernando Praga

Seu pai trabalhou duro para lhe dar uma boa educação e fazer de você alguém na vida? Suas conquistas são fruto do sacrifício de seus pais e de seu próprio esforço? Você estudou demais para se formar e consolidar o seu “status” social? Ninguém sabe o quanto você ralou para comprar seu carro zero? Fez horas extras, perdeu momentos com a família, deixou de se divertir e comeu o pão que o diabo amassou para adquirir a casa própria? Trabalhou a semana inteira e tem direito à sua cervejinha e seu churrasquinho no sábado?

Então você é contrário às políticas de inclusão social e não acha justo que o governo dê bolsas e cotas para vagabundo se igualar a você sem se esforçar da mesma forma? Não admite que vagabundo venha passar pano sujo nos vidros do seu possante para pedir esmola no farol? Não aceita essa cambada de sem-terra e sem teto querendo ocupar imóvel que gente de bem trabalhou pra conquistar? Não quer preguiçosos pedindo comida à sua porta porque não acha justo dar, de mão beijada, aquilo que você só tem porque transpirou e fez por merecer? Por você, esses vagabundos iriam todos pra cadeia e, se tivesse pena de morte para alguns casos, melhor ainda?

Então… Se seu pai lhe tivesse dado uma boa educação, você saberia que todos, independentemente da fortuna ou da pobreza, já nascem “alguém na vida”, tanto quanto você, e merecem viver com a mesma dignidade.

Se a sua educação tivesse lhe mostrado o que ela se empenhou em lhe ocultar, você enxergaria que o seu esforço em se formar não foi maior que o esforço em sobreviver e alimentar a família do operário que ajudou a construir sua casa, sua escola ou a sua faculdade, que vive de aluguel, debaixo de goteiras e jamais conseguirá colocar os filhos numa escola particular.

Seu esforço não foi maior que o do seringueiro que extraiu a borracha para o pneu de seu carro, que vai morrer seringueiro, trabalhando em condições que você não suportaria, para que sejam feitos os pneus de carros que ele jamais verá e que serão usados por pessoas como você, que desprezam a existência de gente que não tem carro. Seu esforço não foi maior que o do metalúrgico, na linha de montagem, que gasta a vida construindo carros zero para gente educada como você ostentar seus vidros fechados nos faróis.

Você nunca sentiu a dor da fome, não tem as mãos calejadas, o corpo mutilado, a face envelhecida ou traumas terríveis que o acompanhariam por toda a vida, em decorrência da exploração de sua mão de obra e não merece mais o seu churrasco do que as crianças escravizadas na produção do carvão que você queima, que nunca tiveram infância, lazer ou um pedaço de carne no prato; seu esforço não foi maior que o delas e seus pais não o amaram mais que os pais dessas crianças.

Se você tivesse tido uma educação minimamente aceitável, você entenderia o que foi realmente a “catequese” imposta pela “gente de bem” aos nossos nativos e saberia que toda a “terra de brancos”, no Brasil, foi violentamente roubada dos índios, à custa de dominação e genocídio; que metade das nossas propriedades rurais tem documentação ilegal e proprietários hipócritas; que cerca de 75% dos latifúndios são fruto de grilagem e que os latifundiários que roubaram essas terras também odeiam a gente “sem terras” e possuem uma forte bancada política no congresso nacional. Se você tivesse buscado conhecimentos além dos aprendidos em sua escola, saberia que o terreno da sua casa própria, não tem muito tempo, foi roubado de gente inocente e você não faz questão de ser justo quanto a isto.

Se a educação que você recebeu tivesse pensado no melhor para você, você saberia que esta é a história do seu país, uma história de crueldade, que faz parte da vida de cada brasileiro, uma história brutal, repleta de arbitrariedades contra os negros, índio e desfavorecidos e, por outro lado, uma história repleta de leis em benefício da elite. Você entenderia que esta é a história que nos trouxe a este presente, tristemente desigual, em que multidões padecem em prol do luxo e conforto de uma ridícula minoria. Uma história que deveria pesar na consciência de cada um, até que reparássemos toda a injustiça acumulada.

Se você realmente desejasse o progresso social e considerasse a educação um item importante, você desejaria que ela fosse inclusiva e da melhor qualidade para todos, pois não há como uma sociedade piorar quando uma coisa boa e importante passa a ser um direito inviolável de cada cidadão.

Se você tivesse aprendido a verdade histórica, veria que a classe média tem sido manipulada há séculos, pela mesma elite, e que você é o resultado da colheita: mais um fruto cultivado dessa manipulação.

Se você valorizasse mesmo o conhecimento, raciocinaria sobre a vida e perceberia que sua pretensa boa formação e todos os bens que você conquistou e acumulou “com seu esforço” servem para o domesticar, pra lhe cegar dos verdadeiros valores da vida, para comprar sua submissão a este sistema, pra corrompê-lo, como os espelhinhos corromperam os índios, e para contar com você corruptível, sempre que o sistema precisar de um alcaguete, um disseminador da mentira e do ódio ou de um “capitão do mato”.

Se sua educação tivesse formado um cidadão com valores humanos, livre e questionador, você olharia o mundo a seu redor e não teria dificuldade em notar que o mal da humanidade é a exploração humana, e não a “preguiça” da massa explorada, como lhe fizeram crer. Nenhum miserável, por mais vagabundo e preguiçoso que seja, pode lhe causar, nem de longe, o prejuízo que os hierarquicamente poderosos têm nos causado, impunemente e por tanto tempo.

Se você tivesse um pinguinho de educação, você não chamaria de vagabunda uma pessoa sobre quem você não sabe absolutamente nada, a não ser o fato de que ela vive em situação de rua, tem roupas esfarrapadas e sobrevive se utilizando de recursos diferentes dos seus.

A educação que seu pai lhe proporcionou é a educação que o sistema ofereceu a seu pai. Ela o transformou num preconceituoso e você deveria ter aprendido que todo preconceito corre no sentido oposto ao da boa educação.

Quando acredita que a condição social, a sexualidade, a cor da pele, o credo ou a origem de outro ser humano podem prejudicar você de alguma forma, e enxerga exemplos a serem seguidos nos poderosos e exploradores, você se torna um perpetuador de nossas maiores injustiças. Você vê o mal onde não existe qualquer ameaça, mas sua ignorância não lhe permite enxergar onde reside o verdadeiro mal.

Você trabalha em benefício de um sistema podre; e não em prol de sua espécie ou de sua vida, quando se empenha em impedir o crescimento social de quem vive em condições piores que as suas. Você mantém e faz vistas grossas para o abismo que faz com que seres, não menos humanos que você, vivam em condições piores que as de seu cachorro.

Se você tivesse tido uma educação melhorzinha, saberia que a mídia é uma instituição poderosa, que tem motivos para nos fazer abraçar as inverdades como se fossem verdades absolutas; que tem motivos quando difama e denigre alguém e que tais motivos não são a “utilidade pública”, mas arranhar a imagem, enfraquecer e tornar mais controláveis, todos aqueles que representem uma ameaça aos interesses do sistema. Você enxergaria, se fosse mais bem educado, que a mídia é uma arma, hoje em mãos do capitalismo, que nos joga uns contra os outros e que é muito bem paga para isto, porque nossa união, e somente nossa união, representaria a ruína de um sistema que se apoia na exploração dos semelhantes.

Você entenderia que a corrupção é, e sempre será, uma presença garantida neste sistema que transforma tudo em mercadoria comprável e que compra, para si, uma mídia caríssima e uma escola ridícula, para o manter sob controle, ignorante e mal informado.

Se você fosse mesmo bem educado, não acreditaria numa justiça que superlota presídios com gente da parcela mais sofrida, frágil e desprovida de nossa sociedade, mas mantém imunes e carregados de privilégios os maiores criminosos. Você entenderia que não há crime maior que o de se explorar uma vida e deixar que ela se vá, sem poder ser vivida, trocada pelos ilusórios “benefícios” do capitalismo, trocada, novamente, por espelhinhos.

Se você fosse um pouco melhor do que você é, saberia que não é melhor do que ninguém e desejaria que todos, incluindo você, os miseráveis e os piores crápulas da sociedade, evoluíssemos, juntos, como seres humanos.

Se a sua educação tivesse sido eficaz e libertadora, você não teria saído da escola acreditando que fosse utópico um mundo unido contra a exploração humana, pela liberdade, pelo respeito às diferenças, pelo progresso sustentável e por uma sociedade mais harmônica e justa, sem uma hierarquia opressora e oportunista. Se você tivesse sido educado sem dogmas e mitos que o acorrentam à ignorância, você não esperaria que um messias descesse dos céus para resolver todos os problemas que nós criamos e cuja resolução só cabe a nós. Você não depositaria suas esperanças na vingança ou no castigo a ninguém.

Se você fosse tão bem educado, não sairia por aí diminuindo as pessoas e se vangloriando, hipócrita e prepotente, de que seu pai lhe deu educação. Você seria humilde e admitiria: “meu pai me deu alguma educação, mas eu preciso de muito mais!”…

E, finalmente, no dia em que você se tornasse só um pouco mais bem educado, você lutaria a vida toda por uma educação libertadora, pois enxergaria o verdadeiro mundo da utopia, reluzindo, logo ali à frente.