A Pesquisa Nacional de Aborto 2016, publicada pela revista científica Ciência & Saúde Coletiva mostra que a mulher brasileira que faz aborto é a dona de casa, ou seja, a mulher comum. Não existe o estereótipo da mulher que pratica o aborto. Essa seria mais uma fantasia de setores reacionários da sociedade.

Os dados foram coletados pelos Debora Diniz, Marcelo Medeiros e Alberto Madeiro e estimam a magnitude dessa prática no Brasil. A pesquisa indica que em 2016, uma em cada 5,4 mulheres brasileiras aos 40 anos já realizou pelo menos um aborto. Para eles, a política do Estado brasileiro para o tema é nociva para as mulheres. Para juiz, a política do Estado brasileira é mais que isso, é uma tragédia social.

Mas quem é essa mulher que aborta e ninguém conhece? Para os pesquisadores, ao contrário dos estereótipos, “a mulher que aborta é uma mulher comum”, isto é, o aborto foi realizado por praticamente todos os perfis de mulheres.

A pesquisa revelou que o aborto é praticado por:
a) mulheres de todas as idades na faixa etária do período reprodutivo;
b) casadas e solteiras;
c) mulheres que são mães e mulheres que não têm filhos;
d) mulheres de todas as religiões, inclusive as sem religião;
e) de todos os níveis educacionais;
f) trabalhadoras, empresárias, profissionais liberais, etc;
g) mulheres de todas as classes sociais;
h) mulheres de todos os grupos raciais;
i) mulheres em todas as regiões do país;
j) Mulheres em todos os tipos e tamanhos de município.

“Os resultados indicam que o aborto é um fenômeno frequente e persistente entre as mulheres de todas as classes sociais, grupos raciais, níveis educacionais e religiões: em 2016, quase 1 em cada 5 mulheres, aos 40 anos já realizou, pelo menos, um aborto. Em 2015, foram, aproximadamente, 416 mil mulheres”, anotam os pesquisadores.

Na conclusão do estudo, os pesquisadores criticam duramente o Estado brasileiro. “As políticas brasileiras, inclusive as de saúde, tratam o aborto sob uma perspectiva religiosa e moral e respondem à questão com a criminalização e a repressão policial. A julgar pela persistência da alta magnitude, e pelo fato do aborto ser comum em mulheres de todos os grupos sociais, a resposta fundamentada na criminalização e repressão tem se mostrado não apenas inefetiva, mas nociva. Não reduz nem cuida: por um lado, não é capaz de diminuir o número de abortos e, por outro, impede que mulheres busquem o acompanhamento e a informação de saúde necessários para que seja realizado de forma segura ou para planejar sua vida reprodutiva a fim de evitar um segundo evento desse tipo”, anotam. Em Portugal, o número de abortos diminuiu após descriminalização.

A pesquisa revelou também que há maior incidência do aborto justamente quando o Estado está menos presente para promover a igualdade e as condições mínimas de sobrevivência. Os grupos sociais com maior frequência do aborto são mulheres de menor escolaridade, pretas, pardas e indígenas, vivendo nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

De acordo com o levantamento, metade das mulheres (48%) utilizou medicamentos para abortar e quase a metade das mulheres (48%) precisou ficar internada para finalizar o aborto.

Segundo os autores, o aborto pode estar associado a um evento reprodutivo individual, mas está enraizado na vida reprodutiva das mulheres e responde à forma como a sociedade brasileira se organiza para a reprodução biológica e social.

O levantamento foi feito entre 02 e 09 de junho de 2016. Ele consiste na combinação de um questionário baseado na técnica de urna (ballot-box technique) e um questionário face-a-face aplicado apenas por entrevistadoras mulheres. A técnica de urna consiste em entregar às entrevistadas um questionário em papel com perguntas sobre assuntos controversos – se realizou ou não um aborto, e quando, por exemplo – que deve ser respondido pelas próprias entrevistadas e depositada em uma urna lacrada, sem que as entrevistadoras tenham conhecimento das respostas.

“Considerando que grande parte dos abortos é ilegal e, portanto, feito fora das condições plenas de atenção à saúde, essas magnitudes colocam, indiscutivelmente, o aborto com um dos maiores problemas de saúde pública do Brasil. O Estado, porém, é negligente a respeito, sequer enuncia a questão em seus desenhos de política e não toma medidas claras para o enfrentamento do problema”, afirmam os pesquisadores. (Veja o estudo na revista Ciência & Saúde Coletiva)