Entidades da sociedade civil organizada de todo o país seguem no movimento de oposição à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 287, que institui a reforma da Previdência.

Em seminário realizado nessa sexta-feira (27) em Brasília, a Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica (Fenae) e a Associação Nacional dos Participantes de Fundos de Pensão (Anapar) compartilharam diversas preocupações com a medida. Um dos principais alvos das críticas é o estímulo dado pela PEC à previdência complementar oferecida por bancos privados.

Na avaliação das instituições, o modelo proposto pelo governo esconde os interesses do capital financeiro e desfavorece a lógica que norteia a previdência pública.

A previdência complementar, também conhecida como previdência privada, consiste num seguro adicional adquirido para garantir uma renda melhor no futuro, assegurando ao beneficiado um padrão de vida mais elevado daquele que teria se dependesse apenas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) durante a inatividade.

Ela é dividida em duas categorias – fechada e aberta. A primeira, também conhecida como “fundo de pensão”, é patrocinada por uma empresa – que pode ser estatal ou privada – ou entidade para ser disponibilizada aos seus respectivos empregados. Cerca de 300 fundos de pensão operam no país, administrando ao todo 1.100 planos de previdência, com mais de 3 milhões de participantes. Os maiores são os dos Correios, da Petrobras, da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil.

A previdência complementar fechada é considerada uma importante ferramenta de recursos humanos porque melhora a relação entre empresa e empregado, aumenta a fidelização do funcionário e também atrai mão de obra qualificada. Ela não visa ao lucro e possibilita uma melhor qualidade de vida ao beneficiário e seus dependentes, numa lógica que dialoga com a da previdência social.

Já o modelo aberto é operado por bancos ou seguradoras para ser adquirido por particulares (pessoas físicas), objetivando lucro para a entidade, que impõe altas taxas. Segundo aponta a vice-presidente da Anapar, Cláudia Ricaldoni, ao exigir 49 anos de contribuição para o acesso ao benefício integral, a PEC 287 favorece esse tipo de regime porque incentiva o trabalhador a sair do plano público e migrar para a iniciativa privada.

“Como fica muito difícil corresponder às novas regras, o trabalhador vai preferir aplicar o dinheiro num banco porque, mesmo com benefício pequeno, ele pode sair na hora que quiser. Mas esse modelo não é exatamente benéfico. Inclusive, o número de pessoas que se aposentam pelo regime aberto é baixo porque os bancos ganham muito e o benefício compensa pouco para o trabalhador, por isso muitas pessoas preferem resgatar depois o dinheiro e não se aposentam”, assinala Cláudia Ricaldoni, em referência às regras do regime aberto.

Para se ter uma ideia, em 2016, apesar da crise econômica, os planos de previdência privada registraram crescimento real de 9,5% no comparativo com 2015, considerando o período de janeiro a novembro. O salto vem sendo interpretado como uma consequência direta da proposta de reforma da previdência.

Previdência social x Previdência privada

Cláudia Ricaldoni destaca que o modelo de previdência pública é mais vantajoso para o trabalhador porque consiste num sistema coletivo e solidário.

“No INSS, a pessoa tem acesso ao benefício enquanto estiver viva, e o cônjuge dela também. Já no sistema aberto, o banco calcula uma expectativa de vida e, se o participante acabar vivendo mais que o previsto, o benefício termina. A previdência oficial não tem isso. Umas pessoas vivem mais do que outras, então, um passa dinheiro para o outro, de forma que todos tenham direito à renda vitalícia”, compara.

A vice-presidente sublinha que é principalmente esse ponto que sustenta o engajamento de vários segmentos na luta contra a PEC 287. “Essa diferença é justamente o que mostra a maldade da reforma, que vai desproteger o trabalhador, até porque banco não faz caridade, por isso precisamos cada vez mais defender a previdência pública”, explica.

Neoliberalismo

Para a deputada federal Érika Kokay (PT-DF), a lógica política que norteia o incentivo aos planos privados está fundada na ótica neoliberal, que visa à redução da atuação do Estado. “É a mesma linha que o governo vem aplicando em todas as medidas. Ele tem sido extremamente farto e acolhedor com o mercado e o sistema financeiro, aqueles que lucram sem provocar o desenvolvimento nacional. Trata-se de uma elite que, para crescer ainda mais, se utiliza da condição de senzala imposta ao povo brasileiro”, critica a parlamentar.

Seguindo a mesma linha de raciocínio, a Fenae salienta que o modelo proposto pelo governo foi implantando em outros países e sufocou o regime público de previdência. Foi o que ocorreu no Chile, por exemplo, onde o sistema foi completamente privatizado durante a ditadura militar, resvalando em uma verdadeira convulsão social nos últimos anos, com mais de R$ 1 milhão de pessoas sem cobertura previdenciária, já que nem todo mundo pode acessar o serviço privado.

“As pessoas podem comprar planos privados se quiserem, mas o Estado não pode criar regras que estimulem a adesão a esse tipo de previdência, porque já vimos que é algo que não funciona. Não podemos abrir mão da previdência pública e ampla, que protege o cidadão”, defende Jair Pedro Ferreira, presidente da Federação, que reúne 55 mil associados pelo país. (Cristiane Sampaio/Brasil de Fato)