Por João Neves

Não há mais constrangimento em reproduzir a desgraça. A massificação dos meios de comunicação audiovisuais nos deixa, cotidianamente, conviver com o máximo de nossa barbárie.

Ontem, ao reservar alguns minutos para ler a notícia do dia, me deparei com um turbilhão de pequenos vídeos que, de alguma maneira, fomentavam minha participação – em tempo real! – dos conflitos sangrentos que se anunciava em mais um presidio no país. A promessa das mídias que transmitiam a carnificina era a possibilidade de ver – estilo Pay per view –, e acompanhar confortavelmente da tela do computador, a movimentação dos adversários PCC e Sindicato do Crime do RN no campo de guerra.

Em 29 de Junho de 1925, Walter Benjamin publicou o texto “As armas do futuro”, em que ele dizia:

“A guerra vindoura terá um front espectral. Um front que será deslocado fantasmagoricamente ora para esta ora para aquele metrópole, para suas ruas, diante da porta de cada uma de suas casas. Ademais, essa guerra, a guerra do gás que vem dos ares, representará um risco literalmente “de tirar o fôlego”, em que esse termo assumirá um sentido até agora desconhecido.”1

Benjamin se referia, quando escreveu este artigo, aos experimentos que pretendiam o uso de químicos mortíferos para eliminação do adversário. O filósofo compunha uma geração de pensadores que viveram exatamente durante os anos que sucederam o maior conflito de poderio bélico até então registrado (1914 à 1918 = calculam algo entorno de 10 milhões de mortos). Não bastando, este pensador ouvia, temerosamente, o anúncio de um próximo combate, afinal as câmaras de gás precisavam ser testadas.

– A conclusão que chego, graças as seus insitgh, meu amigo Walter Benjamin, é que experimentamos, dia após dia, novos extremos. A religião fundamentalista do capitalismo professa a guerra total. Ontem e hoje, enquanto rezarmos e contemplamos os templos do CAPITAL, a belicosidade estará entranhada em nossas engrenagens.

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No presídio a degolação já se tornou algo corriqueiro. “– Estamos tudo doido para subir e pegar esse Sindicato. Para meter a faca e torar esses pescoços”. O que há por detrás dessas palavras?

Em outro lugar do front, outras vozes compõem o enredo. “– Tá vendo onde a polícia está atirando, Fernando?”. As estratégias para que fiquemos sempre a espreita – armados, postos em formação – são clarividentes. Afinal, os dispositivos de controle foram pagos em 10 vezes, ou melhor, em suaves prestações de R$ 100,00. O perturbador é pensar como tais engenhocas excitam nossos sentidos, direcionando-os para a eminência do conflito. A guerra é vista; respirada; ouvida; alguns sentem-na em 3D.

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Benjamin,

“A paz tá morta, desfigurada no IML.

A marcha fúnebre prossegue”

1 BENJAMIN, Walter. As armas do futuro. In: BENJAMIN, Walter. O capitalismo como religião. São Paulo, Boitempo, 2013, p. 69.

João Augusto Neves Pires é historiador e membro do grupo de Pesquisa em Música Popular: História, Produção e Linguagem da Unicamp e do Coletivo de Mídia Livre Vai Jão.