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Por Guilherme Boneto

Dissertar sobre o acesso à informação que a internet nos traz seria desnecessário. Todos nós conhecemos os incomensuráveis benefícios de se ter, literalmente à palma da mão, um dispositivo eletrônico que oferece qualquer tipo de conteúdo que se possa desejar, a qualquer momento e em qualquer lugar em que se esteja. Costumo rebater os argumentos contrários às consequências dessa imensa inclusão. Há quem afirme que, com os onipresentes smartphones, a interação social se reduziu. Nunca estudei profundamente o assunto, contudo, acredito que não fossem os nossos celulares, as pessoas nas salas de espera e nos ônibus estariam lendo o jornal do dia ou simplesmente observando a paisagem do lado de fora. A interação não necessariamente é afetada pelo uso da internet, no entanto, este é assunto para render uma reflexão.

Teço apenas uma única crítica aos smartphones; para iniciar a reflexão a respeito, é necessário recordar o fato de que estamos hoje conectados 24 horas por dia, 7 dias por semana. Considero absolutamente necessário que tenhamos controle sobre isso. Enquanto escrevo este texto, observo diante de mim a prateleira de livros que eu cultivei ao longo dos últimos quinze anos, tempo contado desde que comecei a ler, com Harry Potter e a Pedra Filosofal. Devo acumular mais de cem volumes – nunca os contei ou cataloguei. Vendi coleções, alguns livros dei de presente, e embora eu me orgulhe da minha biblioteca pessoal, alimentada por visitas ocasionais e desinteressadas às livrarias de Campinas, confesso com algum pesar que a minha carga de leitura diminuiu consideravelmente desde que passei a estar conectado o tempo todo, e isso deve fazer uns cinco ou seis anos, talvez menos.

Durante a minha adolescência nós tínhamos apenas um computador com acesso à internet em nossa casa. O celular, que eu tive após os quinze anos, era usado meramente para ligações e mensagens de texto, com muita parcimônia devido às tarifas já então excessivas nos idos anos 2000. Tudo isso tinha uma implicação simples a diferir do que hoje ocorre: para que eu pudesse me conectar, deveria ligar o aparelho e me sentar à frente da tela por um determinado tempo, muito contado na época da internet discada. Uma vez desligado o computador, não havia mais conexão e eu poderia me dedicar a outras atividades. O meu tempo ocioso era grande, uma vez que a escola ocupava apenas um período do meu dia. Logo, eu me dedicava à leitura de corpo e alma.

Quando o livro Harry Potter e as Relíquias da Morte foi lançado em inglês, no meio de 2007, resolvi pedi-lo de presente e li o livro todo acompanhado de um dicionário, com imensa dificuldade, mas cheguei à ultima de suas quase 700 páginas com um sentimento de missão cumprida. Hoje, eu teria a facilidade de decifrar as expressões da língua inglesa acessando o Google, e conseguiria traduzir com muito mais clareza as palavras usando a ferramenta de tradução, tudo no meu celular. Mas eu seria distraído pelas notificações que chegam com absurda frequência à minha tela, e com dezessete anos, talvez não tivesse tido a maturidade de concluir a leitura do livro.

As pessoas que têm dezessete anos hoje são obrigadas a lidar diretamente com isso, e eu temo que a carga de leitura paupérrima do brasileiro acabe ficando ainda mais reduzida. Tenho procurado me policiar e dedicar um período do meu dia à leitura, agora que percebi o poder que o meu smartphone tem de me distrair; naquelas horinhas do correr das letras, ele fica longe de mim, muito silencioso e bem-comportado. Eu tive, entretanto, um respeitável histórico de leitura no meu passado recente. Li obras e as reli, com o objetivo de encontrar detalhes que passam despercebidos numa primeira leitura. Gostava de ganhar livros enormes, que me distraíssem por semanas a fio, e queria iniciar sempre novas coleções. Aguardava ansioso pelo lançamento dos novos volumes da série Harry Potter, cujo enredo formidável deu início ao meu interesse pelos livros, e eu perturbava a minha mãe para me levar à livraria à meia-noite com o objetivo de comprar o lançamento no primeiro minuto possível. Ali, o meu livro era o meu tesouro.

Meu temor é que a minha geração tenha sido a última a experimentar essa sensação maravilhosa. O efeito disso, creio eu, é que as leituras, ainda que aconteçam, serão muito mais rápidas e esparsas, porque as informações oferecidas pela internet são infinitas e o nosso desejo, diante da tela, é acessá-las e compartilhá-las com rapidez. O tempo passa e percebo que nos escapa rapidamente a paciência que um livro requer; essa é a crítica que faço ao uso dos smartphones.

Dias desses cruzei com uma lista que continha algumas dicas para viver melhor. É claro que muito do publicado ali era pura bobagem, mas me chamou a atenção o item que dizia: “fique no celular o quanto quiser, mas saiba se desconectar”. Acho que é bem por aí a questão. Temos de nos conscientizar quando estamos exagerando, porque afinal de contas, ainda não conhecemos as consequências dessa hiper-conectividade à qual estamos expostos hoje; somos a primeira geração a experimentá-la. Por via das dúvidas, creio que seja desejável preservar algumas tradições do passado que já se mostraram saudáveis, dentre as quais a boa e indispensável leitura de um livro.