Por Guilherme Boneto

Imagem: Gage Skidmore

Eu havia selecionado uma linda imagem de Hillary Clinton abraçada a Michelle Obama, e pretendia postá-la hoje cedo no meu Facebook para festejar a vitória da candidata democrata – não reproduzo a fotografia aqui por questão de direitos autorais, mas ela pode ser vista no Facebook de Clinton.

A primeira-dama Michelle, que teve um protagonismo impressionante ao longo de toda a campanha eleitoral americana, pode ter futuro na política do país, exatamente como Hillary, cujo marido foi presidente na década de 1990. Michelle tem tudo para, quem sabe, ser a primeira mulher negra a presidir os Estados Unidos, e eu ficaria encantado em produzir um artigo a respeito nos próximos dias.

Ocorre que o mundo acordou sob forte impacto: Hillary Clinton, ao contrário da imensa maioria das previsões, perdeu as eleições presidenciais. Sob uma votação maciça e expressiva, o empresário Donald Trump foi eleito para substituir Barack Obama e os resultados disso já são sentidos na manhã de hoje. Pelo mundo, bolsas de valores como Londres, Tóquio e Hong Kong caem à medida que as urnas se fecham.

O ex-presidente do México, Vicente Fox, declarou que seu país “não vai pagar por aquela porra de muro”, em referência à barreira que o presidente eleito promete construir na fronteira sul dos Estados Unidos e cujos custos, declarou, ficarão por conta do governo mexicano. Logo, quero declarar que o meu texto sobre os simbolismos de um país eleger um homem negro, e na sequência uma mulher, com possibilidade de fazer o mesmo com uma mulher negra no futuro próximo, terá de ser postergado por alguns anos.

Já fui aos Estados Unidos quatro vezes desde 2012, todas elas a turismo. Conheço cidades como Nova York, Washington D.C., Kansas City, Miami, Orlando, Pittsburgh e Chicago, além de localidades menores no interior. Fui várias vezes àquele país porque admiro os Estados Unidos e porque sempre  fui muito bem tratado pelas pessoas. Lembro-me de ter entrado numa loja certa vez na capital americana, e a moça atrás do balcão me perguntou se eu vivia nos Estados Unidos, num tom que me pareceu apenas curioso. Ao ouvir a minha negativa, ela limitou-se a dizer, sorrindo: “seja bem-vindo aos Estados Unidos!”. Com outros comerciantes, com as pessoas na rua, com funcionários do metrô, com a polícia, até mesmo com a segurança dos aeroportos – e eu passei por vários – sempre tive ótimas experiências, com praticamente todos. E eu acreditava com absoluta sinceridade que os americanos não seriam capazes de eleger Donald Trump.

Mas eu estava lamentavelmente errado. Hoje, vejo reforçar-se a velha ideia de que os americanos dão mesmo uma banana para o mundo. Que, de fato, eles não são capazes de enxergar a importância dos imigrantes para a construção dos Estados Unidos da América enquanto país e para que eles possam se constituir na nação que são hoje. Que um país tão fortemente miscigenado não “pertence” ao povo A ou B, mas a todos que nele quiserem estar, uma ideia moderna que implica reformas imigratórias profundas às quais o presidente eleito não se comprometeu, muito ao contrário. Que fechar as fronteiras aos pobres e necessitados, num momento em que milhares de pessoas fogem da guerra, é mais do que ridículo: é absurdo e desumano.

Eu acreditava de coração que a maioria dos americanos seguia essa linha de pensamento, e que apenas havia uma minoria muito idiota e muito barulhenta. Neste momento, a “minoria” em questão totaliza mais de 58 milhões de votos em favor da candidatura de Donald Trump. Num universo de mais de 300 milhões de habitantes, temos de fato uma minoria. Esta foi suficiente, no entanto, para eleger o presidente da República.

No discurso do presidente eleito, feito na madrugada de hoje, notou-se um tom bem mais ameno do que aquele visto às largas na campanha republicana. Quero crer que Donald Trump será apenas uma figura caricata e não tão perigosa como se alardeia que talvez seja. Sua vitória nos diz muito sobre o mundo em que vivemos e a negação dos líderes e políticos tradicionais, classe muito bem representada pela senadora Hillary Clinton, que lamentavelmente encerra sua carreira política sem ocupar o cargo ao qual aspirou por muito tempo e com muita capacidade de exercer.

Hillary foi elogiada por Trump em seu discurso de vitória: “Nós temos uma dívida com ela por seu serviço ao país”, disse o presidente eleito. Do lado de fora do Hilton Hotel, em Nova York, onde o republicano discursava, centenas de apoiadores não aparentavam a mesma disposição para seguir nessa linha conciliadora. “Prendam-na!”, gritavam com referência a Clinton, repetindo um bordão da campanha sobre a prisão que gostariam de ver para a ex-secretária de Estado. Mais do que assinalar a vitória maciça e inquestionável do republicano Donald Trump, as eleições presidenciais de 2016 nos dizem muito sobre os Estados Unidos da América e o mundo como o conhecemos.