Por Isabela Kanupp

women-54433_640Quem nunca? Essa foi uma frase muito usada por mim quando eu estava no início da adolescência. Eu na ânsia de presentear meu pai em seu aniversário, ou outras datas comemorativas, porém sem muitos recursos (conhecido também como dinheiro) pegava emprestado com ele para comprar o próprio presente.

Hoje quando me lembro disso vejo como algo bobo, como de fato é, e até corriqueiro, afinal, eu também passo por isso com as diversas ideias mirabolantes de super presentes que minha filha quer me dar, com o meu dinheiro.

Na vida adulta entendemos que quem quer levar o crédito por algo que não foi ele quem fez é conhecido popularmente como: fazer festa com o chapéu do outro, ou cortesia com o chapéu alheio.
Na primeira semana de novembro surgiu um “movimento” chamado #AgoraÉQueSãoElas. Basicamente consiste na ideia de homens cederem espaço de fala para mulheres em seus sites, blogs e páginas, olha que gentis!

Voltando um pouco na nossa história – como civilização -, há não tanto tempo atrás, diversas mulheres escreviam e assinavam seus escritos com nomes masculinos. Em partes porque mulheres escrevendo era considerado um ultraje para a época e em partes porque ninguém estava interessado em saber o que as mulheres tinham a dizer – não muito diferente de agora.

Não tão distante assim, um exemplo bem palpável disso, é da escritora J.K Rowling, autora da série Harry Potter, que por conselho do seu agente literário, ao lançar “Harry Potter e a Pedra Filosofal” assinou como… J.K Rowling, e não com seu nome “real”. O conselho foi dado baseado em que: meninos não se interessariam em comprar um livro escrito por uma mulher e assim ninguém saberia que ela era uma mulher. “Harry Potter e a Pedra Filosofal” foi lançado no ano de 1997.
#AgoraÉQueSãoElas chegou cheio das boas intenções, o problema é que de boas intenções o inferno está cheio, e o que mais estamos acostumados dentro de uma sociedade patriarcal é saber que por trás de uma boa intenção existe um poço de machismo – um exemplo disso é o tão aclamado cavalheirismo!

Muitos blogs, páginas e sites aderiram, dos mais diversos nichos, desde política e até mesmo blogs sobre paternidade e vida em família.
Apesar de estarmos tão longe de 1800 ou de 1997, ainda estamos vivendo na mesma sociedade, uma sociedade machista.

Existem – desde sempre – mulheres escrevendo coisas incríveis sobre os mais variados assuntos, verdadeiras especialistas – sejam elas acadêmicas ou não -, que realmente dominam o assunto no qual estão falando e por vezes, tem esse domínio justamente por terem vivência nos mesmos. Poderia indicar aqui diversos blogs sobre diversos temas onde mulheres são autoras, mas claro, nenhuma delas chega aos pés do “sucesso” dos homens autores.

Um exemplo disso é quando reclamamos de local de fala, quando um homem escreve sobre a situação da mulher de uma forma na qual ele toma o protagonismo e fala de uma vivência a qual ele não tem, afinal, ele não é mulher. Muitas vezes somos acusadas de radicais, afinal, um homem todo cheio da boa intenção está ali falando sobre coisas que estamos falando há tanto tempo e ninguém nos ouve, não é mesmo? Ele só quer ajudar!

Okay, mas essa não é a função dele dentro do feminismo. A função dele é como apoiador e por mais que a gente fale que uma das funções do apoiador é falar para os seus – ou seja, outros homens – isso também é problemático, é problemático do ponto que esses homens só levam a sério nossas reclamações, que estamos ai escrevendo sobre elas há anos, quando outro homem diz.
Novamente, uma arma do machismo que somos convencidas que é algo bacana e que está apenas nos ajudando.

Mas eles não estão. Essa “boa ação” cheia das “boas intenções” na verdade é somente mais uma face do machismo.
Homens não estão nos fazendo um favor quando alertam outro homem sobre machismo, ele está fazendo a parte dele e tem de ficar muito atento para não ultrapassar a linha tênue entre apoiador e protagonista. Assim como homens não estão fazendo um favor quando nos “cedem” espaço de fala, esse espaço já é nosso e sempre foi. Sempre foram elas. A diferença é que agora os homens escritores querem reparar um erro do passado, com mais machismo.

Ao invés de cederem espaços para as mulheres em seus sites e blogs, ficam aqui algumas sugestões de fato efetivas e com reais boas intenções:
– Não silenciar mulheres quando apontam machismo no seu discurso;
– Não atacar mulheres e colocar outras mulheres para atacá-la;
– Não tirar o protagonismo falando de vivências que você não tem já que você é homem;
– Indicar mulheres, indicar textos escritos por mulheres, ao invés de querer fazer sua versão do que já está sendo dito por mulheres há anos.

Esse espaço aqui é nosso. Mulheres continuarão criando seus sites, seus blogs e escrevendo seus artigos, mulheres estão conquistando seu espaço seja no meio digital ou não, e isso incomoda. Precisam reinventar novas maneiras de silenciamento disfarçado de boas atitudes.

#AgoraÉQueSãoElas nada mais é do que uma forma de homens se beneficiarem – como sempre – às custas das mulheres, o bom e velho comprei o presente com o seu dinheiro ou fazer festa com o chapéu do outro. Nada melhor para uma “reputação” do que ser visto como o cara super legal que até cede espaço para mulheres, ou ganhar muitas views com mulheres escrevendo para você, claro, depois que você passou todas as outras semanas do ano silenciando essas mulheres e escrevendo sobre as vivências delas.

Isabela Kanupp mantém o blog Para Beatriz