Por Luís Fernando Praga
Um fio frio, cristalino e puro, seiva translúcida da Natureza, irrompe impossível do chão duro, filete filhotim de correnteza, escava a carne viva do seu leito e leva os vãos da Terra em suas águas, o límpido no sujo liquefeito, que se avoluma em lágrimas e mágoas, e chuvas, enxurradas, afluentes. Mudar é natural, inevitável… E o rio, refém das próprias correntes, já quer ser, mais que puro, navegável.
Serpenteando para o oceano, recebe as lamas e metais pesados, rejeitos do pior do ser humano, a ganância e o ódio represados. Assim a podridão é seu destino, seu curso é triste, a esperança chora, o que era artéria torna-se intestino e é decretada a morte antes da hora.
Efeito de uma causa sem retorno, segue zumbi no seu trajeto torto. A mata, os bichos, a gente em seu entorno, morrem do dissabor do rio morto.
Mas a Vida, alquimista das essências, sabe que a dor faz parte das belezas e apesar de nefastas influências, a nascente dilui as impurezas. Gota a gota d’um dom primordial que torna todo rio um ser sagrado, e ao extinguir-se o mal do lamaçal, muita água boa já terá brotado. A vida pede que nos repensemos, o que guardamos pode transbordar e o lixo que nós todos recebemos, nos mata aos poucos, tende a se espalhar.
Ela quer que fluamos naturais, com quedas, com remansos e tormentos, ela só quer nos influenciar de paz, nos oxigenar os sentimentos. Ela quer mais amor e mais mudança e em nossos corações, menos revolta, pra não se soterrar a esperança e não se envenenar sem ter mais volta.
Cada rio é senhor do seu traçado, nenhum vai casto e doce até o mar e mesmo seco, sem vida ou arrasado, um dia ele nasceu pra chegar.