Por Cida Sepulveda

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O livro Ao Contrário, um caminho, de Afonso Caramano, é composto de quadros interioranos. Interior no sentido de província e de psicológico. Os personagens, mergulhados num cenário quieto e fugaz, são modelos para o escritor construir retratos, ora de emoções, ora de movimentos humanos.

Uma composição sólida, com momentos de pico da força poética que ocorrem, por exemplo, no conto O Jantar, cujas beleza e pungência me envolvem e me instigam a recomeçar a leitura, apenas para sentir novamente a vibração poética que a descrição do cotidiano de um viúvo aposentado me desperta.

Nesse conto, o velho mora com a filha, cunhado e netos. Seu desajeito no ambiente e a forma que encontra de preencher a solidão são, ao mesmo tempo, delicados e eloquentes: ele imagina situações nas quais é personagem, inclusive imagina-vivencia a própria morte.

Afonso Caramano tem muita destreza na arte de produzir uma escrita límpida que sintetiza realismo e lirismo, e coloca o interior em evidência, esse lugar onde se vive, se cresce e se morre, em silenciosa agonia e êxtase, o que pode ser ilustrado por esta passagem do conto Ausência que enfoca a ação de um velho pescando, solitário:

Não havia motivos para agitações, mas a contragosto admitia que a vala comum dos dias acabasse engolindo a todos. Olhava turvamente as águas barrentas do rio, obstinando-se talvez, em vencer essa angústia sem nome. Empenhava-se numa contemplação vaga tentando restituir o fio partido – em que momento mesmo esse fio se rompera? – ou resgatar a compreensão serena das coisas. (Página 67)

O conjunto dos contos do Ao contrário, um caminho, é bastante coeso. Os contos são interligados pelo bucolismo, pelo estranhamento provocado pelo interior-província e pelo interior psicológico – ambos têm em comum o ressentimento de uma vida mínima e a paciência em relação ao inevitável.

É uma alegria ver o interior de São Paulo produzir escritores cientes do rigor necessário à produção de textos que realmente façam a diferença em meio à abundância de joio que se espalha predadora pelos espaços ditos literários e, tantas vezes, encobre verdadeiros artistas da escrita.

O objeto-livro também é digno de nota: uma bela produção da 11 Editora.