editorial J

A direita se manifesta com força total e demonstra que possui representatividade e capital político. Diferentemente do que se pensava em 2010, quando a presidenta Dilma Rousseff venceu pela primeira vez as eleições e o ex-presidente Lula tinha mais de 80% de aprovação popular, a esquerda não predomina no país e nem muito menos voa em céu de brigadeiro; observa-se, hoje, a movimentação intensa de frentes conservadoras pelo Brasil, enquanto setores esquerdistas se mostram muito mais tímidos.

Ser favorável a uma ideologia liberal e de direita não é essencialmente ruim, mas apenas uma forma respeitável de se pensar. Uma pessoa inteligente pode ser a favor do livre mercado, da privatização de empresas públicas, da redução de benefícios sociais às parcelas mais pobres da população, dentre outros. Não é o meu pensamento, porque não creio que se adequa ao panorama que o Brasil apresenta hoje, mas embora eu discorde, jamais desrespeitaria quem assim pensa.

O problema, porém, mora justamente aí. A direita que hoje desperta pelo país demonstra um grau alarmante de intolerância. Um desconhecido jovenzinho, na manifestação do último dia 12 de abril em São Paulo, declarava que o PT merece “um tiro na cabeça”. Esqueceu-se de apontar os quadros do partido que, em sua opinião tão bem fundamentada, “merecem” esse tipo de tratamento. Em Minas Gerais, um senhor “parecido com Lula” foi agredido pelos manifestantes enquanto trabalhava, e por todo o país, pessoas vestidas de vermelho corriam o risco de apanhar se cruzassem com os locais da manifestação.

Assusta, de igual modo, a desinformação. As pessoas pedem o afastamento da presidenta Dilma do poder. Desrespeitam as instituições democráticas do Brasil, uma vez que Dilma foi reeleita há poucos meses pela maioria dos eleitores que se dispuseram a votar. Ainda mais impressionante é o fato de que parte considerável dos “indignados” acredita que, em caso de impeachment ou renúncia da presidenta, quem assumiria o cargo é o senador Aécio Neves, segundo colocado nas eleições de 2014, em lugar do vice-presidente Michel Temer, o segundo na linha de sucessão de Dilma Rousseff, e que é quem vai comandar o país na hipótese de ela deixar o cargo, seja qual for o motivo. Caso Temer não possa assumir o Planalto por qualquer razão, o próximo nome seria o do deputado Eduardo Cunha, presidente da Câmara. Já pensou? Se pensou, fico feliz. “Pensar”, ultimamente, está fora de moda.

Alguns manifestantes clamam por “intervenção militar”, pedem outra ditadura para que não possam mais “clamar” por outros absurdos como esse. Uma manifestante levou sua indignação a ponto de dizer ser preferível a morte de seus compatriotas num regime militar do que num hospital lotado – que tal os dois, nesse caso? O pedido não ficou sem uma boa foto no Instagram, com um efeito que valorizou de forma especial o tom amarelo da camisa da seleção, que ela usava. Um vídeo muito divulgado, dos protestos do dia 15 de março, mostra uma jovem sem conseguir diferenciar esquerda de direita, e afirmava, com ajuda da mãe, ser “de direita” apenas para ser oposição ao PT. Esse grau chocante de despolitização está presente em todos os setores da sociedade brasileira, e o PT não pode se isentar de responsabilidade. Há 12 anos no poder, o partido nada fez para politizar os brasileiros, não abriu o debate pela democratização da mídia, não nos mostrou a importância da democracia que conquistamos a duras penas. As garotas que mencionei aqui não viram, como eu também não vi, a formação da assembleia que lavrou a Constituição Cidadã de 1988. Orgulho-me de ter, entretanto, a dimensão de sua importância, e de respeitar a democracia a ponto de não babar de ódio e pedir a derrubada de políticos que não agem de acordo com o que eu considero correto. Isso, no meu vocabulário, tem nome: golpismo.

É preciso moderação, um estudo mais aprofundado da história deste país, a valorização da democracia em todas as suas dimensões. Talvez agora, contudo, seja tarde para começar. O Congresso Nacional se dedica de corpo e alma a discutir a terceirização dos direitos dos trabalhadores, um grave retrocesso ao qual precisamos estar atentos, a redução da maioridade penal, e ainda terá mais quatro longos anos para conseguir tirar os poucos direitos conquistados pelos povos indígenas, pelas mulheres, pela população LGBT, antes de irmos novamente às urnas para eleger um parlamento ainda mais conservador do que este, o que fatalmente deve ocorrer em 2018. E como se não fosse suficiente, a direita está nas ruas, dando gritos de ódio e intolerância e reunindo milhares de “indignados”.

Resta-nos fazer uma concessão à bancada evangélica, e rezar muito. Talvez seja desejável uma vigília que perdure até as eleições de 2018, e uma novena a todos os santos também não seria ruim, a começar por Santo Expedito, conhecido pelos católicos como realizador de causas impossíveis. Oremos. Que Deus nos livre dessa direita.