Por Carlos Trigueiro

De antemão, o significado zoológico de “Mãos”, segundo o velho “Novo Dicionário Aurélio Século XXI”: Cada uma das extremidades dos membros superiores dos quadrúmanos e anteriores dos quadrúpedes. Assim como outros significantes que denominam partes do corpo humano, “Mão” junto a termos específicos molda incontáveis expressões idiomáticas já autoexplicativas. Portanto, o leitor entenderá, em primeira “Mão”, variada gama de tais significados sem necessidade de orações intercaladas, notas esclarecedoras entre parênteses ou no rodapé.

E já com a “Mão na massa”, lembro que os paleontólogos dizem que a preponderância do homem sobre os demais seres vivos, começou com a invenção e o uso de ferramentas. E, claro, a ferramenta “Mão” não foi preciso inventar. “Mão” afagava o bebê pré-histórico, cavava buracos em busca de água e alimentos, escalava árvores, esmurrava inimigos, desenhava em cavernas, enterrava os mortos, colhia frutos, fazia armas rudimentares, enfim, desde os primórdios o homem não “abriu Mão” dessa, digamos, ferramenta corporal.

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Isabel Leal

Nos nossos tempos, qualquer estudante de Anatomia sabe que as nossas “Mãos” são simétricas, dividem-se em carpo, metacarpo e dedos e por onde passam os importantes nervos radial, mediano e ulnar. Não sendo especialista em Medicina, não vou “meter a Mão em cumbuca”, porém o amigo leitor também não pode terminar de ler esta crônica e ficar “com as Mãos abanando” ou, na base do populacho, “com uma das Mãos na frente e a outra atrás”.

Abrindo “Mão” das idiossincrasias de cronista, e para matar curiosidades sobre outros trânsitos idiomáticos, não pego o rumo na “contramão”. Ao contrário, “sigo a Mão” do pensamento. Vejam este exemplo “na palma da Mão”: um operário, pintor de paredes, só merece “aperto de Mão” quando encerradas a “segunda ou terceira de Mão” do serviço contratado. Claro que o contratante não vai “sair na Mão” se o pintor ficar só na “primeira de Mão”, pois seria mais prudente pedir ao operário voltar as “Mãos à obra”. E para o exemplo não “cuspir na Mão” do que foi afirmado, se tudo ficar acertado entre as partes, aí sim, o contratante da obra poderá “botar a Mão no bolso”, mesmo sendo “Mão-de-vaca” e pagar o serviço sem ser “de Mão-beijada”.

Dos pontos de vista histórico, religioso, artístico ou mesmo antropológico, as “Mãos” sempre expressaram valiosos significados em muitas culturas através dos tempos: “Mãos que curam doentes”, “Mãos que protegem do Mal”, “Mãos que abençoam”, “Mãos que realizam milagres”, “Mãos que retratam paisagens, figuras, imagens em telas, monumentos, painéis”, “Mãos que liberam sons maviosos em instrumentos musicais”. E para não dar a “Mão à palmatória” prosseguiremos “na Mão” em que vínhamos trilhando.

Nas culturas orientais, por exemplo, encontramos inúmeras acepções para as “Mãos”. Na linguagem japonesa o “Karatê” significa “Mãos vazias”, ou seja, arte ou luta em que as ”Mãos” não se valem de armas, instrumentos, ferramentas etc. Na cultura e medicina chinesas há um vasto e milenar conhecimento sobre os “pontos das Mãos” distribuídos por dedos e palmas e que, se estimulados ou pressionados, podem curar ou amenizar este ou aquele mal do corpo. Mas tal assunto excede o espaço da crônica porque “enfia a Mão” no terreno da acupuntura –– gama de conhecimentos que abrange verdadeiro tratado.  A milenar cultura indiana, “de outra Mão”, desenvolveu e espraiou mundo afora (desde os antigos romanos aos povos ciganos), a arte da “quiromancia”, ou o conhecimento do destino e da vida de uma pessoa através das linhas e sinais de suas próprias “Mãos”. Até hoje, o curioso que se dispuser a “abrir a Mão”, literalmente, para uma cigana ler o que dizem as “linhas das palmas da sua Mão”, basta querer e pagar pela interpretação daqueles sinais.

As “Mãos” também são indispensáveis e influentes na “linguagem dos sinais” tanto na comunicação entre deficientes auditivos quanto entre surdos e ouvintes. Claro que a “linguagem dos sinais” não é universal, pois varia de lugar para lugar, retratando cultura e regionalismos onde praticados.

Para não “estender a Mão”, nesse chove e não molha, citamos algumas expressões consagradas que dispensam explicações, e como diz a galera, tipo: “pediu a Mão da moça em casamento”; “quantas Mãos perfazem um jogo de biriba?”; “disputar espaço no ar com cafifa, pipa, arraia ou papagaio só tem graça se a linha que os empina levar uma boa ‘Mão de cerol’”; “ditadura que se preza tem de governar (Ops!) com ‘Mão de ferro’”.

Podemos escolher “A mão e a luva”, romance de Machado de Assis, e a peça teatral “As mãos de Eurídice”, de Pedro Bloch, para homenagear neste texto sobre “Mãos”, expoentes literários nacionais. Já no campo esportivo todo mundo vai se lembrar do Oscar Schmitt, até hoje talvez o mais famoso jogador brasileiro de basquete, apelidado de “Mão Santa” pela precisão com que encestava a bola. ­­

Para não encerrar o texto parecendo desconectado com a realidade nacional, temos ouvido que a atual “Operação Lava Jato” se inspirou na operação do governo e justiça italianos, nomeada “Mãos Limpas”, dos anos 1990, que rompeu gigantesca rede de corrupção envolvendo políticos, partidos, clero, empresários, banqueiros e, claro, a insidiosa máfia. De outra “Mão”, e como não nos cabe amealhar fatos além do propósito cultural do texto sobre “Mãos”, convém imitar o gesto milenar do governador romano na Judéia, Pôncio Pilatos, que, aparentemente, se absteve de julgar Jesus Cristo, e preferiu “lavar as Mãos” –– simbologia e expressão que chegaram aos nossos dias pelas “Mãos sagradas” dos historiadores e escribas.

imagem: Frederico Leal