Por Carlos Trigueiro

No apagar das luzes de 2014, abordei o tema “CABEÇAS” neste espaço do CARTA CAMPINAS. Nada mais coerente que no início de 2015 aborde aqui a temática dos “PÉS”, inclusive porque antigo provérbio diz que tudo começa com o primeiro passo. E ao “Pé da letra”, passo se dá mesmo é com o “Pé”.

A começar pelo significado de unidade de comprimento: um “Pé” equivale a doze polegadas, e três “Pés” formam uma jarda. Bem, “Pé” cúbico é uma unidade de volume. Qualquer menino inglês sabe disso desde os primeiros anos escolares. Em terras tupiniquins o relatório do ENEM dirá melhor, ou, com o “Pé no saco”, milhares de menores homicidas estarão recebendo medidas socioeducativas para depois saírem às ruas, já bandidos, maiores e graduados: “Pé na estrada”!

Molde de gesso do pé de uma vítima do vulcão Vesúvio – Pompéia –

Do ponto de vista da anatomia, um “Pé” é a extremidade dos animais terrestres que assenta ao solo e divide-se em tarso, metatarso e dedos. Sabiam que um “Pé” humano tem 26 ossos?

Óbvio que a principal função do “Pé” é a locomoção. Mas, cá entre nós, o significante “Pé” tem incrível multiplicidade de significados quando lhe juntamos certas palavras formando as tais “expressões idiomáticas” pra lá de conotativas. Vamos ao tema devagar, ou seja, “Pé ante pé”, e “Com um pé atrás” porque o assaltante vem armado e quer um “Pé de anjo”.

Se a Polícia prende um ladrão de quinta categoria, tal meliante é um “Pé-de-chinelo”. Se a prisão for num bar de igual categoria, o local seria um “Pé-sujo” que dispensa “Pé-de-cabra” para abrir e fechar portas, pois funcionaria em tempo integral o ano todo, cheio de “Pés-de-cana”, e onde o “Pé-direito” da construção que encosta no telhado não resistiria ao menor “Pé-de-vento”, quanto mais a um “Pé d’água”. E seus maus empregados não seriam dispensados na forma da lei: só com um “Pé-na-bunda”.

Quando um jogador de futebol “perde um gol feito”, a torcida grita que o cara tem o “Pé torto”. Se acontece, vez e outra, má sorte com determinada pessoa diz-se logo que é um “Pé frio”. Ao contrário, se sempre acontecem coisas boas com o mesmo sujeito, dizem que o cara é “Pé quente”.

E sendo a língua manifestação viva de um grupo social, tem também seus modismos e, assim, expressões aparecem e desaparecem nem que sejam “ao Pé do ouvido”. Alguém ouviu falar de que início de namoro já foi começar o “Pé-de-alferes”? Talvez alguém ainda diga que juntar dinheiro seja fazer o “Pé de meia”, ou que ganhar um adicional ao salário por trabalhar além do prazo para a aposentadoria seja receber o “Pé na cova”. De todo modo, um sujeito dedicado ao trabalho e que hoje é um “Workaholic” já foi um dia chamado de “Pé de boi”.

Na medicina, há uma infecção causada por fungo denominada “Pé de atleta”, vulgarmente, a “frieira”. Pula daqui pula dali, uma variação do sujeito alcoolizado, ou seja, do “Pé-de-cana” é um “Pé queimado”. Na vida militar, os soldados da Infantaria eram chamados de “Pés de poeira”. Não sei se perdura a tradição entre paraquedistas, chamar o soldado que não saltava dos aviões de “Pé preto”, pois os paraquedistas autênticos calçavam botas marrons, enquanto os primeiros só usavam botas pretas. Mas mexer com isso era “entrar em Pé de guerra.”

Na Literatura nacional era famoso o romance juvenil de José Mauro de Vasconcelos “Meu pé de laranja lima”. Na esfera religiosa, a cerimônia do “lava pés” está presente em várias culturas e não só nas cristãs. E como tudo hoje corre depressa, salvo questões na Justiça brasileira, lembro que alguém dirigindo automóvel em alta velocidade está com o “Pé na tábua”. E botando o “Pé” no freio, a malícia feminina não poderia ficar de fora dessas citações. Daí: rugas na face, perto dos olhos, são os tais “Pés de galinha”.

Quando é esquecido o nome de uma árvore, a lacuna pode ser preenchida pelo genérico “Pé de pau”. Claro que em botânica doméstica, toda planta é um “Pé” disso ou daquilo: “Pé de feijão”, “Pé de goiaba”, “Pé de mamão”, “Pé de maconha”… Opa! “Pé de maconha” resta proibido nestas plagas, e enquanto o seu uso medicinal não for aprovado e referendado pela vagarosa Justiça (“Pé de chumbo”) do país continuará sendo um “Pé” ilegal. E quem estiver esperando tal liberação medicinal e suas variações que se prepare: pode ir primeiro para a “cidade dos Pés juntos”. Melhor parar por aqui, pois aprofundar-me nisso seria fechar a crônica no estilo “meter os Pés pelas mãos”.

imagem: Frederico Leal