Os portugueses fariam piada do brasileiro burro? É possível que no futuro sim se se pensar nos avanços conseguidos por eles no combate às drogas.

GageSkidmore CC  - Glenn Greenwald
Greenwald, durante teleconferência

Ninguém mais em Portugal quer voltar ao sistema de criminalização das drogas: “todos, dos mais conservadores aos mais progressistas, aceitaram que essa mudança foi um sucesso enorme”, afirmou o jornalista Glenn Greenwald, durante o seminário Drogas: Legalização + Controle, promovido pela Law Enforcement Against Prohibition e pelo Fórum Permanente de Direitos Humanos da Escola de Magistratura do Estado do RJ em novembro último. O relato da palestra é do site Ponte.org.

Portugal faz um combate às drogas sem constituir um Estado assassino, como na Indonésia, que matou o traficante brasileiro Marco Acher, após um processo jurídico e regulado pelo Estado. Portugal também faz um combate às drogas longe da barbárie do Estado brasileiro, no qual policiais vivem uma guerra nas vielas urbanas e matam sem julgamento inocentes e culpados pelos becos da cidade.

Para Greenwald, famoso por revelar a espionagem americana na internet, a experiência de Portugal, que em 2001 descriminalizou o uso de todas as drogas, deu tão certo que a opinião pública do país desistiu da ideia de tratar os entorpecentes como uma questão de polícia. Greenwald é o autor de um amplo estudo sobre a experiência portugesa, publicado em 2009.

O que levou ao debate e à consequente mudança na política de drogas de Portugal, de acordo com Greenwald, foi o fato de o país ter se tornado, nos anos 1980 e 90, “um dos países que tiveram mais problemas com drogas na Europa”. Como no Brasil, a resposta do governo foi intensificar a repressão e as prisões de usuários, até perceber que estas ações só agravavam a situação.

No final dos anos 90, as autoridades portuguesas, mais inteligentes, perceberam que o problema estava piorando e não se tinha ideia do que poderia ser feito. Em Lisboa, havia muitos viciados morando nas ruas, muitos crimes e doenças associados às drogas. A partir daí, o governo criou uma comissão formada somente por médicos e pesquisadores, que recebeu o desafio de identificar uma política mais eficaz. “Após 18 meses de estudo, esta comissão apresentou todas as opções possíveis, e só foi considerada pelo governo a da descriminalização”, explicou Greenwald. A oposição à mudança foi muito forte, baseada nos argumentos de que a descriminalização significaria uma “uma mensagem de incentivo ao uso de drogas” e de que Lisboa se tornaria um ponto turístico para usuários de drogas.

Enfrentando todas as críticas, o governo descriminalizou o uso de drogas, que passou a ser uma infração passível de multa, com o usuário encaminhado a tratamento. Com o passar dos anos, os índices de criminalidade caíram. “Se a polícia vê alguém usando drogas na rua, entrega-lhe um documento atestando que a pessoa está infringindo a lei, mas não pode prendê-la nem tratá-la como criminosa. É assim com todas as drogas. Quem recebe este documento não vai ao tribunal, mas à comissão de toxicodependência, onde não será punida, mas ajudada, e tem sua privacidade respeitada caso não queira comunicar ninguém”, ilustrou Greenwald. “A ideia é que a pessoa seja tratada, não como uma criminosa, mas como uma pessoa que tem um problema de saúde, um dependente”, completou, reiterando que a comissão não tem caráter punitivo.

Do seu estudo em Portugal, Greenwald registrou os caminhos da inteligência dos portugueses.

O primeiro foi o redirecionamento dos recursos. “Se um país processa usuários de drogas e os coloca na prisão, perde muito dinheiro. Ao mudar isso, o mesmo dinheiro pode ser investido em serviços que vão atender os viciados e ajudar realmente a combater o problema”, defendeu.

A segunda mudança diz respeito à relação estabelecida entre o governo e os cidadãos. “Quando o usuário deixa de ser tratado como um criminoso, não precisa mais temer o governo e aceita ajuda mais facilmente”, disse. Ao mesmo tempo, há uma mudança moral: com a descriminalização, o usuário de drogas deixa de ser visto como uma pessoa ruim, que merece castigo, mas como alguém com um problema de saúde. (Com informações do site Ponte.org)