Este ano de 2014, a redução de água do Sistema Cantareira para a região de Campinas já impõe racionamento, proibições e multas para alguns tipos de uso. Mas a história desse problema começou há 20 anos.

Em 1994, com a justificativa de que assim conseguiria mais dinheiro para investir em abastecimento de água e tratamento de esgoto, a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) decidiu se tornar uma empresa de capital misto. Duas décadas depois, 50,3% de seu controle acionário se encontram nas mãos do Estado, enquanto 47,7% das ações são de propriedade de investidores brasileiros (25,5%) e estrangeiros (24,2%).

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Alckmin e Jonas Donizette durante anúncio de intenção de captar água do Rio Paraíba do Sul

Embora o estatuto social da Sabesp determine que os acionistas podem receber 25% do lucro líquido anual da empresa (relação que o mercado chama de payout), a concessionária chegou a bater recordes em distribuição de dividendos durante o governo Geraldo Alckmin (PSDB). Em 2003, por exemplo, ano seguinte à vitória do tucano nas urnas, 60,5% do lucro líquido da Sabesp foram parar no caixa de acionistas. Na verdade, desde a sua entrada na bolsa de valores, em 2002, a Sabesp nunca registrou payout inferior a 26,1%. Estimativas feitas com base nos dados divulgados em março de 2014 pela Diretoria Econômico-Financeira e de Relações com os Investidores apontam que, entre 2003 e 2013, cerca de um terço do lucro líquido total da Sabesp foram repassados aos acionistas. O montante é da ordem de R$ 4,3 bilhões, o dobro do que a Sabesp investe anualmente em saneamento básico.

A conta que não fecha

Ao longo de 10 anos da abertura de mercado e negociação de papéis na bolsa de valores americana, a Sabesp valorizou 601%. Na BM&FBovespa, a valorização foi de 427% no mesmo período, 2002 a 2012. Ou seja: em uma década no chamado “mercado futuro”, o valor da companhia saltou de R$ 6 bilhões para R$ 17,1 bilhões. Os investimentos em saneamento básico, por sua vez, subiram de R$ 594 milhões em 2003 para R$ 2,7 bilhões em 2013.

Nos últimos cinco anos, a companhia hoje presidida por Dilma Pena investiu R$ 11,9 bilhões em distribuição de água e tratamento de esgoto, e pretende investir mais R$ 12,8 bilhões entre 2014 e 2018.

Para especialistas em gestão de recursos hídricos e saneamento básico ouvidos pelo GGN, a questão que não quer calar é a seguinte: como uma empresa como a Sabesp, com tanta rentabilidade no mercado e com investimentos bilionários em saneamento básico, não reduziu, nos últimos anos, a dependência do Sistema Cantareira? 

O presidente do Sintaema (Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo), Rene Vicente dos Santos, avaliou que a Sabesp tem investido maciçamente no crescimento do número de clientes, com o objetivo de ampliar o lucro com serviços de distribuição de água e tratamento de esgoto, deixando de lado novas tecnologias.

Ele apontou, por exemplo, que a Sabesp mantém tubulações que datam de 30 anos, e que ainda perde 25% da água que produz. Ou seja: a empresa ainda assiste à perda de 25% de receita, apesar dos investimentos feitos para melhorar essa situação.

“A Sabesp tem investido nos últimos anos na ampliação da rede, mas a primeira coisa que faz com o lucro é garantir a rentabilidade dos acionistas. Ela aplica em melhorias, mas prefere direcionar os investimentos para onde consiga mais arrecadação ao final do processo – ampliação e rede, captação e tratamento de esgoto”, ponderou.

Poucas opções para driblar a falta d’água

Já na avaliação de Ricardo de Sousa Moretti, professor da pós-graduação em Planejamento de Gestão de Territórios da Universidade Federal do ABC, “o lucro da Sabesp indica que ela poderia ter feito um investimento muito maior em saneamento básico”, não só em volume de recursos, mas em aproveitamento de estudos e metas elaborados há pelo menos uma década, que apontam ser emergencial a busca por novas fontes de água para São Paulo.

Segundo Moretti, a Sabesp desenvolveu uma política voltada para lucros obtidos com a construção de grandes obras, como estações de tratamento – hoje, são mais de 214 espalhadas pelo Estado – “mas esqueceu que para funcionar, é preciso ter um sistema capilar eficiente, que leve água [da estação de tratamento] até em casa do cliente a partir do sistema arterial, que são as redes coletoras. Essa parte arterial não foi feita. Temos estações prontas, mas o esgoto não chega nelas. Ou seja, a Sabesp criou uma política insana, de grandes obras de engenharias, e não de gestão de águas”, criticou.

A “política insana” da Sabesp, ainda de acordo com Moretti, também implica na condução de águas sujas a mananciais que servem de reservatório para a Grande São Paulo. Caso da Bacia da Billings, que recebe água que lava a região do rio Pinheiros quando há enchentes. O professor destacou que embora a Sabesp retire mais águas do braço Rio Grande para suprir a demanda do Cantareira, a represa situada na região do Grande ABC já trabalha perto de sua capacidade máxima. “O certo seria ter construído mais estações de tratamento no local, mas isso não foi feito”, lembrou. (texto completo no Jornal GGN)