O escritor Domingos Pellegrini distribui livro inédito sobre Paulo Leminski por e-mail

Esquenta na imprensa e nas redes sociais a polêmica sobre as biografias não autorizadas. Na última terça-feira, o escritor paranaense Domingos Pellegrini  botou mais lenha na fogueira ao enviar em massa , por e-mail, o livro “Passeando por Paulo Leminski”, que seria publicado pela editora Record. A editora desistiu da ideia depois que as herdeiras  de Leminski – a poeta Alice Ruiz, ex-mulher do escritor, e as filhas Aurea e Estrela – negaram autorização para a publicação da obra.

Distribuição de livro inédito de forma alternativa
Pellegrini: distribuição de livro inédito de forma alternativa

Distribuir o livro de 161 páginas pela internet, segundo Pellegrini, foi uma forma de contribuir  “para que o Brasil não se torne o país das biografias chapa-branca.” Ele pretende que o e-mail, com o livro anexado, chegue a 1800 pessoas que, por sua vez, também se encarregam de distribuir a obra para o maior número possível de leitores, o que já está acontecendo. Nesta quinta-feira também já circulava nas redes sociais uma cópia para download.

Pellegrini autoriza que “o livro seja divulgado e reproduzido de qualquer forma”, o que despertou ainda mais o interesse de leitores ávidos para terem de graça uma obra escrita por um autor conceituado, ganhador de dois prêmios Jabuti e que já teve contos adaptados para o cinema.

Pellegrini diz que o livro “foi escrito de forma apaixonada e espontânea para resgatar as memórias de sua convivência com Leminski.” A obra não se adapta exatamente ao gênero biografia, apresentando uma história linear da vida de Leminski. Antes, é um livro de memórias, selecionadas a partir das lembranças que Pellegrini tem do poeta. Autores da mesma geração, sendo um de Londrina – Pellegrini – e outro do Curitiba, eles discutiram literatura e suas próprias obras durante décadas. Estas trocas são a principal motivação do livro que mostra a amizade de dois escritores que se tratavam como “Polaco” – Leminski, era descendente de poloneses, negros e índios – e “Pé Vermelho”, já que Pellegrini nasceu  no  Norte do Paraná, região de terra roxa.

Poeta era amigo de Pellegrini
Leminski: poeta era amigo de Pellegrini

Antes de escrever a obra, que agora passeia pela internet, Pellegrini havia sido convidado pela Editora Nossa Cultural para escrever uma biografia de Leminski. Segundo ele, a escolha tinha sido feita de comum acordo pela editora e as herdeiras de Leminski, mas Pellegrini acabou desistindo da empreitada antes de assinar o contrato. No e-mail distribuído esta semana, ele explica: “a tarefa me privaria de duas condições essenciais para uma escrita criativa condizente com Leminski, a paixão e a liberdade. Além disso, já havia uma biografia sua,  e eu teria ou de sugar informações dela ou buscar penosamente novas informações talvez não tão relevantes ou interessantes.” Neste trecho ele se refere à biografia “O Bandido que Sabia Latim”, escrita por Toninho Vaz e publicada pela editora Record, que teve sua 4ª edição também proibida pela família de Leminski.

A atitude de Pellegrini esquenta a polêmica sobre as biografias não autorizadas que vem rendendo calorosos debates desde que Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil e outros grandes nomes da música posicionaram-se pela proibição dos livros sem autorização prévia, numa tentativa de resguardar a privacidade, segundo notícias veiculadas na imprensa. O fato causou uma onda de protestos que tem como principal objetivo defender a liberdade de expressão. A empresária e produtora Paula Lavigne – ex-mulher de Caetano – lidera o movimento Procure Saber pela proibição das biografias não autorizadas, mas isso tem causado celeumas com jornalistas e autores dispostos a defender até o fim o direito de escreverem sobre o que bem entendem. Muitos alegam que a proibição configura-se como censura e que os mesmos artistas que desejam proibir as biografias não se importam que jornais, revistas e tevês divulguem fatos relativos à sua vida privada, o que não deixa de ser um contra senso.

A onda de celebridades proibirem biografias ganhou força em 2007, quando Roberto Carlos impediu que o livro de Paulo César Araújo – “Roberto Carlos em detalhes” – chegasse às  prateleiras.  De lá para cá, vive-se um momento definido por muitos como um retrocesso em relação à liberdade de expressão no país.

A poeta Alice Ruiz já se pronunciou sobre a atitude de Domingos Pellegrini. Alice  publicou mensagem na página dela no Facebook explicando os motivos de ter impedido a 4ª edição de O Bandido que Sabia Latim, de Toninho Vaz, e a publicação do livro de Domingos Pellegrini “Passeando por Paulo Leminski” por discordar ou julgar desnecessários alguns trechos.”

Célia Musilli da Rede Carta Campinas

Leia aqui as três primeiras páginas de “Passeando por Leminski”, de Domingos Pellegrini

* O escritor Domingos Pellegrini autoriza a reprodução e divulgação do livro de qualquer forma.

O POLIEDRO

Em 1964, em Londrina, um rapazola lê com espanto e encanto artigo de um tal Paulo Leminski na revista concretista Invenção.
Alguns anos depois, o londrinense conhecerá o curitibano Leminski e, depois de algumas rusgas e rugas, serão amigos, tratando-se como Polaco e Pé Vermelho.
Pé Vermelho novamente se espantará com Leminski, ao saber que ele é mistura de polonês com mulata, neto de negro e índio e português. E também se encantará com sua poesia, mistura de cult e pop, truques concretos e resquícios românticos, artifícios formais e caprichados relaxos coloquiais, doce amargura e cáustica alegria, erudição e simplicidade, maluquice e mágica.
Polaco e Pé Vermelho se encontrarão muitas vezes, em Florianópolis, Curitiba, Londrina e São Paulo, amarrando uma amizade de três décadas e dezenas de garrafas. Mas Pé Vermelho deixará de procurar o Polaco quando passar por Curitiba, não mais conseguindo ver como ele foi destiladamente se matando.
Então Pé Vermelho estará em Porto Velho, Rondônia, e verá Leminski na tevê do restaurante. Que será que o Polaco está inventando, pensará, aumentando o volume para ouvir que ele consumou o que chamara de “minha última obra”.
Pé Vermelho fica com raiva do Lelé, como também chamava o Polaco. Um ano depois, em mesa redonda no evento Perhappiness, homenagem a Leminski em Curitiba, Pé Vermelho não conseguirá falar e passará todo o tempo chorando, para espanto de Haroldo de Campos a seu lado.
Duas décadas e meia depois, uma editora convida Pé Vermelho para escrever biografia de Leminski, e imediatamente o fantasma do Polaco aparece:
– Biografia é muito convencional, eu não mereço algo melhor?
Pé Vermelho então lembra daquele primeiro artigo que leu de Leminski, uma misturança de gêneros e gênesis, idiomas e gírias, signos e sacadas. Como ele era mistura de raças. Como sua literatura era mistura de erudição e sacação, Português e Inglês, tensão e relaxo, carne e espírito.
Pé Vermelho dorme pensando nisso, e sonha que faz uma sopa com Leminski. Acorda, liga ao editor:
– Biografia do Polaco já foi feita. Outro livro sobre ele tem de ser mistura de informação e romance, erudição e conversa, realidade e sonho, água e pedra, história e festa, uma lifestory!
O editor discorda, Pé Vermelho diz que assim mesmo fará o livro desse jeito, desliga o telefone e pensa em voz alta:
– Espero estar certo, Polaco.
Ribomba um trovão, tremelicam os copos da cristaleira, Pé Vermelho entende:
– Não gostou, é? Então me ajuda!
Daí olha sobre a mesa uma pedra catada em riacho há décadas, concavamente cinzeiro rústico usado apenas por raras visitas fumantes. Mas Leminski fumava, e gostava de pedras, tratou delas em vários poemas. E toda pedra é, mesmo que rusticamente, um poliedro, multifacetada como foi o poeta do Pilarzinho. Pé Vermelho resolve que o livro será um passeio pelas facetas poliédricas de Leminski. Então, como ele fazia, rabisca num guardanapo: “toda jóia já foi pedra um dia”…
O Polaco, lá quando leu o primeiro livro de poesia de Pé Vermelho ainda nos anos 70, um volume mimeografado na onda da chamada “geração marginal” (Conversa Clara, 1974), sentenciou:
– Não está ruim, mas você faz uma poesia aforismática.
– Pois é – Pé Vermelho retruca 40 anos depois – E o livro que vou escrever sobre você, cara, começará com uma poesia aforismática…
Começa a escrever enquanto cai a tempestade, lembrando do amigo a olhar pela vidraça alisando os bigodões:
– Acho lindo tempestade, é o tempo em alta voltagem!
Como foi Paulo Leminski.