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Caráter reacionário do modernismo de 22 e da revolução de 32 ressurgiu nos protestos atuais

A Semana de Arte Moderna de 1922 está entre os episódios mais importantes da literatura e da arte nacional. Tão grande quanto a sua importância é a sua complexidade, proporcional também à abrangência das propostas do movimento modernista: revolução no campo estético, produção de uma arte nacional inspirada no progresso, nos meios de transporte, nas novas tecnologias, construção de uma hegemonia paulista, formação de um ideal de raça, muitas foram as propostas que giraram em torno do movimento.

Carlos Berriel

Para compreendê-lo melhor, buscando, inclusive, rever o seu lugar no cânone da literatura brasileira, avaliando-o do ponto de vista da sua gênese enquanto consciência de classe social, enquanto projeto político, o professor do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp, Carlos Berriel, relançou recentemente, pela Editora da Unicamp, o livro Tietê, Tejo, Sena: a obra de Paulo Prado, com enfoque na trajetória daquele que foi o grande mecenas do modernismo.

No livro, Berriel procura desfazer o mito criado em torno do modernismo paulista, mostrando que, no plano ideológico, a Semana de 1922 não passou de uma iniciativa de uma “oligarquia racista, reacionária e ao mesmo tempo modernista”, servindo aos interesses da elite cafeicultora e ao projeto de hegemonia paulista, isso porque a classe de origem desse modernismo foi a do baronato cafeicultor.

Obviamente, o movimento precisa ser visto com cuidado, considerando as suas particularidades. O livro de Paulo Prado, Retrato do Brasil, traz as justificativas para o projeto modernista racista, hegemônico e de raízes colonialistas. No entanto, cada autor e cada obra que fez parte do movimento precisa ser vista dentro do seu contexto. Oswald de Andrade, por exemplo, como lembra Berriel, foi expulso do núcleo duro do modernismo formado pelos barões do café já que permitiu a publicação na revista de Antropofagia, da qual era editor, de um artigo criticando o livro de Paulo Prado.

Além disso, Berriel lembra ser importante distinguir o modernismo paulista dos outros modernismos para não trazer para o primeiro autores que são modernos, mas não modernistas, como Graciliano Ramos, José Lins do Rêgo, dentre outros. Inclusive, Berriel destaca opiniões bastante contrárias ao movimento modernista vindas desses autores.

Diante da complexidade do tema, o professor procurou manter uma disciplina de objetividade diante do que o texto efetivamente diz, mostrando o que diz cada autor e evitando acrescentar qualquer opinião mais subjetiva. Os discursos vão sendo postos de pé e monta-se a rede de reflexões sobre o assunto.

O caráter racista que se vê na obra de Paulo Prado é o mesmo encontrado em vários escritos de Monteiro Lobato, por exemplo, que escreveu na mesma época atuando como ferrenho crítico de alguns pontos da semana de 1922, mas repercutindo muitas de suas discussões, como a questão das teorias raciais. Isso porque, como lembra Berriel, o perído era fortemente marcado por discussões racistas. O fim da escravidão era recente e a ideia de raça estava impregnada na noção de classe social. Ideias como a da eugenia sustentavam teses do movimento modernista como a da superioridade do branco e, mais ainda, do paulista.

No fundo, há toda uma idelogia da dominação do resto do Brasil pela metrópole paulista, que vai desde o campo econômico e político, até o racial e artístico. Os paulistas seriam os legítimos representantes dos portugueses heroicos e dos índios ativos, enquanto que o restante dos brasileiros seriam o símbolo dos portugueses degenerados e do índio lascivo. Raça superior, os paulistas seriam os únicos capazes de uma arte também realmente superior, a arte modernista, enquanto o restante do Brasil continuaria rastejando com as formas do romantismo e do parnasianismo.

“O modernismo, a Semana de 22, é a manifestação, no plano artístico, da mentalidade do Convênio de Taubaté – e mesmo Oswald denunciou isso. A política do café e o movimento modernista veem São Paulo como uma entidade capaz de sintetizar o país como um todo, de dar ao Brasil uma lógica histórica que lhe falta e um projeto realista”, diz Berriel em entrevista ao Jornal da Unicamp.

A figura central para se chegar a esse caráter colonizador e racista do modernismo de 1922 não poderia ser outra que não a de Paulo Prado. Um dos mais maiores exportadores de café do Brasil, a consciência da oligarquia, aquele que via na arte um potencial meio de expressar suas ideias a ponto de financiar todo um movimento artístico, ele ainda é influente e, como lembrou Berriel, a característica elitista e excludente de seu pensamento pode ser vista, por exemplo, nas recentes manifestações dos grupos mais de direita na Avenida Paulista.

Berriel compara os manifestantes à antiga oligarquia de São Paulo que na revolução de 32 se “levantou pelo respeito à constituição”, fazendo críticas ao governo Vargas apenas para manter os seus privilégios.

Paulo Prado é o grande nome dessa oligarquia que não é a voz do homem paulistano comum, mas que por vezes fala ecoando as velhas tradições paulistas que fizeram parte do que realmente foi o modernismo de 22. Por tudo isso é ele o personagem principal do livro de Berriel. O mecenas revela a consciência de classe por trás do movimento, mostra sua verdadeira natureza e a partir dele, como centro irradiador do modernismo paulista, os outros nomes que dele fizeram parte podem também ser melhor compreendidos nos pontos em que se aproximam e se afastam de seu pensamento. (Maura Voltarelli/CartaCampinas)

Tietê, Tejo, Sena: a obra de Paulo Prado
Autor: Carlos Berriel
Editora: Unicamp
Páginas: 312
Preço: R$ 46,00

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