Pesquisadores brasileiros do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), situado em Campinas (SP) desenvolveram uma técnica por meio da engenharia genética capaz de produzir enzimas que transformam bagaço de cana-de-açúcar (resíduos da produção do etanol) em etanol de 2ª geração.

(imagem publicdomainpictures – pl)

Reportagem de Maria Fernanda Ziegler, da Agência Fapesp, relata que as enzimas são produzidas por um fungo e atuam de forma coordenada na quebra e conversão de carboidratos da palha e do bagaço da cana-de-açúcar em açúcares simples, que podem sofrer fermentação e, com isso, se transformar em biocombustível.

Segundo a reportagem, a descoberta é a mais eficiente do que as já publicadas na literatura científica e abre caminho para maior aproveitamento dos resíduos da cana-de-açúcar na fabricação de biocombustíveis, uma vez que o desenvolvimento de um coquetel de enzimas de baixo custo representa um dos principais desafios para a produção do etanol de segunda geração (derivado do bagaço e da palha da cana-de-açúcar).

Veja trecho da reportagem:

Para que o fungo pudesse servir como uma biofábrica altamente produtiva do coquetel enzimático, os pesquisadores do CNPEM realizaram seis modificações genéticas em uma cepa já conhecida do Trichoderma reesei, a RUT-C30. O trabalho foi patenteado e teve artigo publicado na revista Biotechnology for Biofuels.

“O fungo foi racionalmente modificado de forma que ele maximizasse a produção das enzimas de interesse biotecnológico. Por meio de técnica de edição genética conhecida como CRISPR/Cas9, alteramos fatores de transcrição para regular a expressão de genes relacionados às enzimas, deletamos proteases que causavam problemas na estabilidade do coquetel enzimático e também adicionamos enzimas importantes que eram naturalmente deficientes no fungo. Com isso, foi possível fazer com que ele produzisse uma quantidade grande de enzimas a partir de uma fonte nutricional barata como resíduos agroindustriais abundantes no Brasil”, explica Mário Murakami, diretor científico do Laboratório Nacional de Biorrenováveis (LNBR-CNPEM), à Agência Fapesp.

Segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), com uma moagem de cana da ordem de 633 milhões de toneladas por safra, o Brasil gera cerca de 70 milhões de toneladas de massa seca de palha. No entanto, pouco dos resíduos é aproveitado para a produção de etanol.

Murakami ressalta que praticamente todas as enzimas utilizadas no Brasil para a degradação de biomassa são importadas de um grupo restrito de empresas estrangeiras que detêm essa tecnologia sob segredo industrial. Com esse contexto, o coquetel enzimático importado pode representar até 50% do custo de produção do combustível.

“Existia um paradigma que o desenvolvimento de uma plataforma competitiva de produção de coquetel enzimático poderia levar décadas de estudos e que seria pouco provável de ser obtida apenas por técnicas de biologia sintética a partir de cepas públicas. Isso porque as empresas utilizaram diferentes métodos para desenvolver os coquetéis, como realizar evoluções adaptativas, expor o fungo a reagentes químicos e induzir mutações no genoma para então selecionar o fenótipo mais interessante. Porém, com a evolução de ferramentas de edição genética, como CRISPR/Cas9, conseguimos estabelecer em dois anos e meio uma plataforma competitiva apenas com poucas modificações racionais”, relata Murakami.

A partir do bioprocesso desenvolvido no CNPEM, foram produzidos 80 gramas por litro (g/L) de enzimas, ou a maior concentração já descrita em uma publicação científica a partir de fontes de carbono (açúcar) de baixo custo. O valor é mais que o dobro da mais alta concentração de enzimas até então relatada na literatura científica para esse tipo de fungo (37 g/L de enzimas).

“Um aspecto interessante desse trabalho é que ele não ficou preso apenas ao laboratório. Testamos a produção e o bioprocesso de escalonamento em uma planta-piloto, em ambiente semi-industrial, para avaliação da viabilidade econômica”, ressalta.

De acordo com Murakami, a despeito de a plataforma fúngica ter sido customizada para a produção de etanol celulósico a partir de resíduos da cana-de-açúcar, ela também é capaz de desconstruir outras biomassas e esses açúcares chamados de avançados poderiam ser utilizados para produção de outros biorrenováveis como plásticos e intermediários químicos.

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