.Por Ricardo Alexandre Corrêa.

“Saudosa maloca, maloca querida dim-dim donde
nós passemos os dias feliz de nossas vidas” (Adoniran Barbosa)

Este texto é sobre a saudade de um espaço onde existem muitas “malocas”; estou falando do bairro onde moro, periferia da zona leste de São Paulo. Há tempos venho observando a dinâmica das pessoas que moram por aqui, e começo a relembrar da época de minha adolescência nos anos 90. Essa saudade é motivada não pela semelhança dos comportamentos, mas pela diferença.

Aliás, esses anos foram marcados pela crescente pobreza e desemprego, e, infelizmente, vemos que estamos caminhando para o retorno desse colapso social. Nesse tempo, os meus pais perdiam noites de sono pensando em como pagar as contas de luz, água, repor o botijão de gás, entre outras dificuldades pertinentes na vida das famílias negras e periféricas — em qualquer época.

No final de semana a periferia era toda agitada, começava na sexta-feira à noite e terminava somente no domingo ao anoitecer. Com o asfalto recém colocado a galera se divertia fazendo manobras com suas bicicletas e carrinhos de rolimãs; como poucas pessoas tinham carros, brincar nas ruas era seguro. Pelo bairro havia muitos terrenos vazios, daí a molecada construía campinhos de futebol, e as casas em construção serviam de esconderijo para as brincadeiras de esconde-esconde.

Na quadra da escola era uma loucura, jovens se aglomeravam com seus times para jogarem uma partida. Lembro-me que a regra era 10 minutos ou dois gols para o término do jogo. Em outros cantos do bairro, jovens disputavam partidas de vôlei: o barbante esticado entre o poste e o muro simulava a rede. No meio disso tudo, encontrávamos crianças correndo, jogando bolinha de gude, pulando amarelinha, batendo corda e mais um monte de brincadeiras. Os moradores eram muito próximos, sempre estavam proseando nos muros e calçadas.

Eu andava com um pessoal que curtia a cultura negra, e a nossa paixão era apreciar uns discos e fitas cassetes de samba, black music e hip-hop. A gente sentava nas calçadas com um gravador e ficávamos por horas ouvindo músicas; o rapper afro-americano Tupac Shakur era o nosso ídolo, a gente até procurava se vestir como o cantor.  Nas nossas reuniões aproveitávamos para fazer uns cortes e tranças nos cabelos, além de ensaiar coreografias para apresentar nos bailes, quase sempre aos sábados à noite, embalados pelas equipes de som Chic Show, Kaskatas, Black Mad etc.

A periferia cresceu bastante, e aquela alegria que a caracterizava, apesar das dificuldades impostas pelo Estado, não existe mais. Nos finais de semana o que vemos são carros e motos passando como se estivessem numa competição de velocidade, um perigo para quem caminha pelas ruas. A única coisa que salva é um pagode que acontece periodicamente na praça. Parece que não soubemos lidar com as mudanças que o tempo trouxe, pois acabamos renunciando a convivência social, inclusive as relações e atividades tão importantes para o desenvolvimento das crianças. Acredito que as tecnologias estejam condicionando as pessoas a serem mais solitárias e presas a um mundo insensível.