.Por Bruno Lima Rocha.

Ao que parece, a candidatura do deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ) emplacando como vice o general da reserva (quatro estrelas) Antonio Hamilton Marques Mourão marca uma nova etapa da relação das Forças Armadas (FFAA) e a sociedade brasileira.

Bolsonaro, em seu afã de homenagear os facínoras dos porões, vai desmontar o “legado” da obra conjunta de operadores como Orlando Geisel (no desenho da estrutura da guerra interna) e do então capitão Carlos Alberto Brilhante Ustra, na montagem dos DOIs. DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna), com ramificações por todo o país e concentração nas maiores cidades da época (São Paulo, Rio de janeiro e Recife, dentre outras), como a sigla já diz, era para agir como Destacamentos operando unidades semi-autônomas e conjuntas subordinadas ao comando da Força Terrestre.

Assim, as FFAA não se “queimavam” matando a luz do dia envergando uniformes verde oliva. Isso ocorreu no Araguaia, nas três campanhas (1972-1975) e na segunda guerra (concomitante a fundação da Comissão Pastoral da Terra, CPT), esta só contra camponeses e tendo como alvo os posseiros da região. Mas, tamanha exposição de chacinas e massacres com gente envergando uniformes militares não ocorreu em áreas de grande concentração urbanas.

No combate aos GTAs nas cidades (Grupos Táticos Armados, unidades básicas das pequenas organizações guerrilheiras do Brasil), as veraneios cinzas e os agentes descaracterizados traziam o terror sem escancarar o papel dos quartéis. Havia medo, e muito, mas não uma condição tal como na Argentina, quando todo o aparelho militar nacional e das províncias (as polícias provinciais, equivalentes às PMs, além da ação da Polícia Federal Argentina, ostensiva), era obrigado a reprimir, entrando em rodízio na guerra suja de extermínio contra seu próprio povo.

Com a aventura da extrema direita do Século XXI explicitando a guerra interna e tendo um general recém passado para a reserva no palanque, Bolsonaro e Mourão vão cumprir o papel de queimar – de vez – o Exército (EB) e por tabela as duas outras forças, diante da população brasileira.

No período anterior à ditadura, a Escola Superior de Guerra (ESG) ao menos cunhou um conceito estratégico “Segurança Nacional & Desenvolvimento”. Qual seria agora o conceito dos bolsonaristas? “Segurança Patrimonial, Conservantismo Social e Entreguismo”? Possivelmente. Como autênticos entreguistas colonizados, vão bater palma para o Império, se calarão diante da entrega do Pré-Sal e vão aumentar a incidência de oficiais dentro do aparelho de Estado. Se não o fizerem e terminarem – em um hipotético e nada desejado governo eleito (faremos todos os esforços para que isso não ocorra) – rompendo com os Chicago Boys (tipo o guru dos rentistas selvagens Paulo Guedes) aí vão governar sozinhos, com menos de 100 votos no Congresso e sem o apoio nem da Globo e sequer das aves de rapinha. Logo, quem irá governar de fato? Generais do EB. Ou seja, mesmo quando Bolsonaro é menos ruim, segue sendo horroroso, dado o risco que impõe ao país.

Outra possibilidade advinda do envolvimento direto de dois generais de quatro estrelas recém passados para a reserva, como Antonio Hamilton Mourão e Augusto Heleno Ribeiro Pereira, é expor o generalato à uma visibilidade fora do manto da técnica militar, conseguindo assim “contaminar politicamente” a hierarquia nas tropas. Ou seja, de volta ao passado, retornando ao ciclo iniciado no tenentismo, fortalecido em 1935 e em tese encerrado em 1988. Parece que não.

Simón Bolívar já vaticinou há muito tempo, “maldito seja o soldado que aponta a arma contra seu povo”. Logo, se eleito for Bolsonaro já disse que vai empregar um grande número de oficiais da reserva, ou mesmo da ativa, algo que era corriqueiro na ditadura (como os famosos ‘coronéis da Petrobrás’) ou o superdimensionado aparato de vigilância e espionagem interna (SNI-SISNI). Assim, por diversas ocasiões esses oficiais em cargos de responsabilidade entrarão em conflito direto contra seu povo.

Bolsonaro não começou a lambança, mas a aprofunda

A presença de militares na crise brasileira é visível. Já houve uma quebra de acórdão político no desgoverno de Temer, quando Raul Jungmann (o eterno arrependido ex-partidão) deixou a pasta da Defesa e esta foi assumida por Joaquim Silva e Luna, um general da reserva de quatro estrelas (contrariando assim a condição de um paisano à frente da pasta, até para não melindrar a Marinha e a Aeronáutica).

Jungmann passou o bastão logo após a crise pós carnaval (em 28 de fevereiro de 2018) assumindo um mentecapto Ministério Extraordinário da Segurança Pública (uma versão minguada dos famigerados Ministério do Interior nos países vizinhos) depois de haver sido desmoralizado justamente por Antônio Hamilton Mourão e a decisão unilateral do comandante em chefe do Exército, general Eduardo Villas Bôas de que não puniria o Mourão (“ele é um gauchão patriota” segundo Villas Bôas).

Assim, caso o capitão de artilharia que teve uma péssima folha de serviços na força terrestre vier a assumir o Palácio do Planalto, vários cargos de chefia, CCs e FGs serão disputados por oficiais generais e oficiais superiores das três forças. O resultado será institucionalmente desastroso, mas pode vir a servir para escancarar o período da ditadura militar e o fato – terrível – de que a ideia de nacionalismo passa bem longa da defesa do povo brasileiro. Parece que a oficialidade quando fala o que pensa realmente manifesta o mito de Guararapes. Quando muda é para pior, com tenebrosa idealização racial de Antonio Hamilton Mourão, muito semelhante às barbaridades proferidas por gente como o racista Nina Rodrigues ou o integralista e também general Olímpio Mourão Filho.

Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva estariam desesperados agora, vendo que toda a articulação para que os militares saíssem limpos do regime ditatorial que inventaram, após haverem cometidos crimes de lesa humanidade à frente do Estado, indo para o ralo. Enquanto os gênios da ditadura veem do além o caldo entornar, seus colegas de caserna vão sendo expostos ao vexame e ao repúdio iminente caso o desastre ocorra e o falastrão protofascista ganhe os votos da direita brasileira. Será que a ala profissional e constitucionalista das três forças irá se manifestar a tempo?

Bruno Lima Rocha é pós-doutorando em economia, doutor e mestre em ciência política, professor de relações internacionais e jornalismo (www.estrategiaeanaliseblog.com)