.Por Marcelo Sguassábia.
A labuta acontecia no aconchego do lar, gostava e nem se lembrava mais do tempo em que não era assim. Full-time home-office, desde 1996, no quartinho de empregada promovido a escritório.
No começo passava por fax os cálculos, análises, avaliações, laudos e relatórios, depois via email, skype, messenger e whatsApp. A cadeira veio da Etna, a mesa da TokStok, o computador do Submarino, o telefone sem fio da Americanas ponto com.
Visto em público pela última vez em novembro daquele remoto 96, quando consultou um médico para examinar umas estranhas brotoejas no pescoço, justificou a saída em seu diário como se fosse uma falta grave a ser redimida.
Pedia as compras de mês pelo Extra Delivery, os remédios pela Ultrafarma, uma faxineira a cada 20 dias pelo diaristaonline. Por se tornar inútil, vendeu o Escort XR3 que tinha com um anúncio no Mercado Livre.
Uma máquina de cortar cabelo chegou pelo shoptime em meados de 2012, eliminando do rol de despesas mensais fixas o cabeleireiro em domicílio.
Sempre adorou cães, e os adotava vendo suas fotos nos sites das ONGs protetoras de animais.
Ano passado teve um mal súbito cardíaco, muito provavelmente por não ter descoberto a tempo um plano de saúde que incluísse consultas e exames domiciliares.
Foi enterrado no quintal, com todas as honras humanas e caninas, ao lado do Acerola, do Tarzan, da Belinha, do Sunny, da Lililica e do Scooby. Pichuca, a poodle toy que tinha quando se foi, urinou nas flores sobre a sepultura, provavelmente intuindo que assim homenageava o dono.
Antes da missa de sétimo dia, encomendada por telefone pela esposa e divulgada por post no facebook, chegou um pacote da Amazon com o livro sobre comunicação com os mortos – lido e relido pela viúva na rede da varanda e praticado regularmente na mesa da sala de jantar.