O desabafo do blogueiro

.Por Miguel do Rosário.

Sou blogueiro político desde 2004, ou seja, há 14 anos. Iniciei essa profissão na cara e na coragem, sem um tostão no bolso e sem apoio de ninguém. Abandonei a carreira de jornalista especializado em café, onde ganhava bem e tinha um futuro financeiramente estável, e mergulhei no mundo desconhecido. Posicionei-me na linha de frente em defesa de Lula logo em 2003, contra o esquerdismo impaciente que queria derrubar o presidente no primeiro ano. Talvez alguns se lembrem disso. A esquerda me acusava de “governista”, me xingava. Eu ali, firme. Em seguida, veio o mensalão. Mais uma vez, na linha de frente, enquanto todos debandavam. Identifiquei o golpe e escrevia freneticamente, tentando oferecer uma narrativa diferente às pessoas, destrinchando as mentiras da mídia. Minha solidão nesse momento era impressionante. Os petistas defendiam Dirceu, Genoíno, mas quem defendia Pizzolato? O Cafezinho. Quem foi um dos primeiros a denunciar aquilo tudo como uma grande armação, inclusive as condenações dos publicitários e banqueiros? Todos foram vítimas do lawfare. Culpados ou não de alguma coisa, com certeza não eram culpados da acusação delirante da PGR de querer perpetuar o PT no poder.

Em todas as campanhas, sempre fui claro qual meu posicionamento. Sempre fui transparente. Porque é assim que eu quero que o jornalismo moderno seja: que deixe claro, para o leitor, o que você pensa. Apoiei sempre o PT na presidência e algumas vezes candidatos de outras legendas no estado e município. Sempre brigando por meus princípios, seguindo meu coração. Fazia “campanha” de Lula e Dilma, sempre sem ganhar nada, porque me interessava. Nunca fui petista, embora o fato de ter sempre apoiado seus governos me fizesse pagar o preço, alto para um jornalista, de ser classificado como um blogueiro petista. Eu não dava bola. Era a vida.

Oferecia aos internautas análises que a mídia escondia. Com Dilma, comecei a fazer muitas críticas ao problema de comunicação, que era um problema político gravíssimo. Veio 2013. Jornadas de junho. Período duro, em que mais uma vez seguramos as pontas, apanhando muito de setores mais radicais da esquerda e da direita, pois ambos cresceram muito ali. O blog sempre apanhou, de todos os lados, mas sempre mantivemos a coerência. Em todo esse tempo, nunca ganhamos nada dos governos ou partido nem pedimos nada. Os internautas sempre sustentaram o Cafezinho.

Veio a Lava Jato, e rapidamente identificamos o golpe. Mais uma vez, sozinhos. Dilma e seu ministro da Justiça, elogiando Lava Jato. A gente sozinho, batendo, explicando que não era assim que se conduzia a justiça. Fizemos “campanha” da Dilma, voluntariamente (não quero me gabar disso), porque entendemos que ela era uma opção muito melhor do que Aécio. Dávamos apoio, por solidariedade ideológica, sempre fazendo as nossas críticas duras ao que considerávamos erros. Começaram as movimentações golpistas e foi o período mais duro das nossas vidas. Trabalhando freneticamente dia e noite, para tentar reverter o que sabíamos que seria uma tragédia para o país. O golpe consumou-se. Seguramos as pontas. Atravessamos o deserto, junto com todo mundo, e vimos a Lava Jato avançar. Mergulhamos nos clássicos de Direito. Lemos dezenas de livros, preparando-nos para o que sabíamos ser uma longa batalha jurídica e política. Foram para cima de Lula. O Cafezinho ficou junto, o tempo todo, fazendo a mais feroz luta pela liberdade do ex-presidente.. Voltamos a estudar inglês para escrever posts em inglês. Montei um blog onde eu escrevia textos em inglês, fazendo a denúncia internacional contra os arbítrios cometidos contra o presidente Lula, escrevendo contra a Lava Jato, e contra o golpe! http://slatingnews.com/

Veio a prisão de Lula. Fizemos o que sempre fizemos, a única coisa que sabemos fazer: escrever, pensar, investigar.

De 2004 até hoje, foram 8.345 posts. Em todos eles, muita luta, aflição, angústia. Até hoje, não tenho nada. Não tenho dinheiro, não tenho imóvel. Só tenho algumas milhares de livros lidos, outras centenas nas minhas estantes aguardando para serem lidos, e esta é minha grande ambição: ler os livros que eu amo, ficar em paz, e ter a consciência tranquila de que lutei pelo meu pais. O resto virá naturalmente.

E agora estamos aqui, num dos momentos mais dramáticos da história do pais. Um desemprego monstro. Estou angustiado, como todo mundo.

Daí eu reflito muito nas coisas e chego à conclusão que é um delírio apostar na candidatura de Lula, porque o judiciário não vai autorizar, e se autorizar, ele não vai conseguir governar. Não conseguiu sequer ser nomeado ministro! Cheguei a essa conclusão observando os fatos, a correlação de forças no STF, a debilidade e confusão do campo popular.

Nesse momento, não acho boa a ideia do PT, de aguardar até o último momento para indicar alguém, porque esse alguém virá marcado pelo “dedaço”, não será alguém construído por seus méritos próprios e, com isso, não terá a legitimidade política necessária para enfrentar os terríveis desafios que teremos a partir de 2019.

Então olho para os lados, e vejo os governadores de esquerda todos apontando para Ciro Gomes. Alguns intelectuais importantes, idem. Vou assistir os vídeos dele. Gosto de seu programa, de sua firmeza, e formo a convicção de que ele é um bom candidato, seguro e com ideias progressistas. Não é tão de esquerda quanto a esquerda gostaria? Ora, não acho que, nesse momento, podemos nos dar ao luxo de escolher o candidato mais “esquerdista” possível. Além do mais, apesar de respeitar as diferenças semânticas entre esquerda e direita, entendo há muito tempo o tanto de romantismo falastrão, hipócrita, ou mesmo falso, que existe por trás. Enfim, isso não vem ao caso agora. O que eu queria dizer é que, vendo a movimentação da sociedade, dos governadores, de alguns intelectuais, formo convicção de que é melhor apoiar Ciro Gomes, e defender uma aliança entre os partidos de centro-esquerda. E faço longos textos explicando todas as razões que me levaram a pensar assim. E aí começo, com toda a inocência do mundo, a escrever sobre Ciro Gomes, a publicar seus vídeos, a analisar pesquisas com um olho mais atento em seu desempenho. É o que eu sempre fiz como blogueiro. Eu escrevo o que me interessa. Não ganho nada da campanha de Ciro, assim como não ganhei nada de campanha de Lula ou Dilma. É o que me interessa. Isso não faz com que eu deixe de me interessar pelo lawfare contra Lula. Ao contrário, a lista de livros que estou estudando, nesse momento, visa me preparar intelectualmente para este combate. Todo meu dinheiro é gasto com livros. Estou lendo, por exemplo, Los Juristas del Horror, de Ingo Müller, um alemão, sobre os juízes reacionários da República de Weimar, que ajudaram a preparar o nazismo. Tudo que eu leio, portanto, é pensando em instrumentalizar a nossa luta política coletiva, no longo prazo, por mais democracia, contra o golpe, pela liberdade de todos nós, inclusive de Lula.

E aí o que acontece? Um grupo de internautas (não quero chamar de “fanáticos do PT” para não despertar mais ira neles) vem me atacar virulentamente, me chamando de vendido, fazendo piadinhas infames. Qualquer post que eu escrevo é atacado por um rebanho de maldosos. É uma onda de linchamento. O mesmo tipo de onda contra o qual eu sempre lutei, em toda minha vida. Defendi uma vez Rafinha Bastos, o comediante odiado pela esquerda, por conta desse tipo de linchamento midiático. O triste é ver que esse linchamento contra a minha pessoa vem daqueles que esperava mais empatia, porque conhecem ou deviam conhecer minha longa história de luta pela democracia. Sabem que eu continuo na luta. Não sou um “Cristóvão Buarque” (arg!), um “Roberto Freire”, uma “Marta Suplicy”. Continuo o mesmo Miguel do Rosário de sempre, atento a tudo, só que com uma opinião própria, divergente da opinião da direção do PT. Tenho a maior admiração por Lula e continuo em sua defesa, mas não podemos tratá-lo como Deus, com opiniões infalíveis. Não é assim que se trata uma liderança popular num ambiente democrático. Isso seria um rei absolutista. Lideranças populares são contestadas, porque são populares e democráticas. Eu já deixei claro minha posição. Fui o mais honesto, franco e transparente possível. Por que os ataques? Podem não concordar, podem criticar, mas sem atacar minha honra! Não estou me vitimizando. Estou apenas desabafando. Já falei que aguentei porrada a vida inteira. Estou na trincheira contra os grandes meios de comunicação, contra o imperialismo, contra o judiciário, contra o governo, e agora também contra a incompreensão de uma certa “militância do PT”.

Olha só. Estamos num golpe. O PT precisa se concentrar na ampliação da sua bancada federal. Ao invés de me atacar, não seria melhor investirem sua energia na estruturação das campanhas para deputado federal, além da promoção do programa de governo de Lula ou Haddad? Como, num ambiente desses, arrumam tempo para me atacar ou a Ciro?

Minha defesa aqui é por uma grande aliança nacional antifascista e antigolpista. Isso é tão difícil de entender? Isso é crime? Isso é ser vendido? Isso é “trabalhar na campanha de Ciro Gomes”? Ora, eu fui transparente. Não estou enganando ninguém. Acho que o momento é de apostar em Ciro Gomes. Ponto. Vou escrever sobre Ciro Gomes e fazer análises políticas e eleitorais com essa perspectiva, assim como eu sempre fiz com Lula e Dilma. Alguém precisa fazer isso. Tem blog que faz suas análises sob uma perspectiva de que Lula possa se candidatar. Não vou lá fazer bullying e acusá-lo de estar “ganhando dinheiro do PT” para fazer isso, ou fazendo “campanha para o Lula”. Tem blog com uma perspectiva mais Boulos, não vou lá demonizá-lo. Cada um na sua. Política não é crime! Virou todo mundo Dallagnol agora? Vão fazer powerpoint para mim? Depois de tanta luta por um direito democrático, que não atropele a defesa, os petistas vem aqui fazer acusações sem prova contra mim? Não estamos no campo do sagrado, da religião. Estamos no campo da democracia, onde cada um apoia quem quiser. Outros colunistas do Cafezinho pensam diferente de mim e podem publicar o que quiserem. Eu continuarei entrevistando as pessoas importantes do PT, para que tenham espaço no Cafezinho. Vou apoiar a reeleição dos governadores do PT (embora meu apoio não signifique nada). Na minha cabeça, eu penso numa verdadeira aliança, que fortaleça o PT também, que o prepare para resistir e crescer nos próximos anos, que reduza sua rejeição em setores sociais importantes, e que consiga fazer o bom combate contra o partido judicial. Os petistas podem não perceber, porque (com perdão da palavra) pensam pequeno: eu faço projeções de longo prazo para o partido dos trabalhadores.

Posso estar errado? Posso? Sou apenas um ser humano.

Agora, eu tenho uma virtude que é quase um problema. Não sou e nunca serei cínico. Ou insensível. Sou um blogueiro que sempre teve uma relação muito orgânica com os leitores. Eu leio tudo que escrevem. Eu dou importância. Eu leio suas críticas, seus xingamentos, seus elogios, suas sugestões. Considero todo aquele que investe seu tempo lendo o meu blog como uma espécie de amigo. Por isso tento entender seus xingamentos como alguma coisa passageira. Em algum momento voltaremos a nos entender. Agradeço as pessoas que me defendem. Mas também não quero ser um personagem, o centro de nenhuma atenção. Estou tentando pensar com independência, como sempre fiz. Pra finalizar só queria dizer uma coisa: sou teimoso e tenho uma tendência à provocação. Então se vocês ficam repetindo que eu não posso fazer isso e aquilo, que eu tenho de “tomar cuidado” com determinado tema, que não querem mais ouvir, por exemplo, falar de Ciro Gomes, aí mesmo é que eu vou publicar mais e mais isso e aquilo, porque é da minha índole anarquista, de não tolerar autoridade, nem que seja da massa de leitores, dos amigos de Facebook, da “militância”. Meu programa para o país, a minha visão de mundo, é a mesma da maioria de vocês. Se temos estratégias diferentes, aprendamos a conviver democraticamente, até mesmo com alegria, de forma lhana, como companheiros numa viagem que, sabemos, ainda será muito longa. Ainda teremos muitos anos de luta pela frente. Então vamos focar nossas energias contra os verdadeiros inimigos: as classes rentistas e parasitárias, os grandes meios de comunicação, o partido judicial, o imperialismo, a ignorância da classe média, essas coisas. O Cafezinho não é seu inimigo. O Cafezinho é amigo!