Pelo menos um em cada dez deputados federais teve sua campanha financiada por empresas flagradas utilizando mão de obra análoga à escrava. Na eleição de 2014, 51 dos 513 parlamentares eleitos receberam R$ 3,5 milhões de empresas que estão ou estiveram presentes nos cadastros de empregadores autuados pelo crime.

O MDB é o partido com mais deputados que recebeu dinheiro desse grupo, com 13 membros, o que representa 20% de sua bancada. Já o PT é o segundo, com 11 deputados, ou 16% da bancada do partido na Câmara.

Entre os deputados financiados, há líderes de partidos, cinco ex-ministros do governo Dilma Rousseff, secretários estaduais de governos tucanos e petistas, além de doações repassadas pelo gabinete do então candidato a vice-presidente da República, Michel Temer.

Dos 51 deputados, 21 fazem parte da bancada ruralista, a Frente Parlamentar da Agropecuária. A bancada é crítica ao conceito de trabalho escravo no Brasil e elogiou medida do governo Temer que reduzia as situações que são consideradas trabalho escravo no Brasil e, segundo diversas entidades, poderia representar um obstáculo ao combate a esse crime. A portaria, de outubro do ano passado, gerou polêmica e acabou sendo suspensa.

O levantamento compara as doações declaradas ao Tribunal Superior Eleitoral pelos candidatos eleitos em 2014 com as empresas que passaram pela lista suja, cadastro de empregadores flagrados com trabalho escravo divulgado pelo governo federal entre 2003 e 2017. A base também considera os nomes que passaram pela Lista da Transparência. Elaborado com critérios semelhantes à lista do governo federal, este outro levantamento foi obtido por meio da Lei de Acesso à Informação no período em que a lista suja estava suspensa por liminar do Supremo Tribunal Federal, entre dezembro de 2014 e março 2017.

Os dados, inéditos, foram levantados pela Repórter Brasil para o especial Ruralômetro, banco de dados e ferramenta de consulta que permite avaliar os deputados com base nos projetos de lei votados ou propostos por eles. O Ruralômetro ouviu uma série de organizações do terceiro setor, que avaliaram como esses projetos podem ou não impactar o meio ambiente, omunidades indígenas e trabalhadores rurais.

O levantamento considera casos de trabalho escravo que podem ter sido flagrados antes ou depois da doação feita durante as eleições de 2014. Receber doações de empresas flagradas com trabalho escravo ou infração ambiental não configura crime, nem é proibido pela lei eleitoral. Mas é uma informação relevante, que pode sinalizar alguns dos interesses dos financiadores ao investir na campanha de deputados. (Por Piero Locatelli do Repórter Brasil)