.Por Jefferson Rodrigues.

Sim, é isso mesmo que você leu! A partir do Decreto 162 de junho de 2017, servidores públicos da cidade que ficam doentes são penalizados com a retirada parcial ou total do auxílio alimentação. Quem, no mesmo mês, tem mais de um atestado médico ou mais de cinco dias afastados para tratamento de saúde, passou a perder integralmente a parte de seus rendimentos destinada à alimentação.

Confira o teor da lei:

Art. 1.o Ficará suspenso integralmente o pagamento do auxílio alimenta-
ção ao servidor ou ao estagiário que apresentar mais de 01 (um) atestado
médico no mesmo mês.
§ 1.o Os atestados médicos apresentados na forma do caput deste artigo,
ficam limitados à quantidade de até 05 (cinco) dias úteis, sendo que durante
este período haverá desconto proporcional do auxílio-alimentação.
§ 2.o Os atestados médicos apresentados na forma do caput deste artigo
deverão ser submetidos à apreciação do SESMT – Serviço Especializado em
Segurança e Medicina do Trabalho, que deverá auditar, inclusive com con-
sulta médica ao servidor apresentante se o caso determinar, a aceitabilidade
do documento.
(Boletim Municipal de 29 de junho de 2017, página 20)

O decreto ficou conhecido como “Decreto da Maldade” pelos efeitos que tem sobre a saúde do trabalhador. Potiguara Lima, que é professor da rede municipal de Vinhedo e membro eleito pelos servidores da última gestão da CIPA lembra do histórico da medida:

“No final de 2016 ocorreu uma forte campanha incentivada pelo governo Jaime Cruz contra aquilo que ele dizia considerar um excessivo número de atestados. Desde aquele momento, alertávamos para o problema dessa maneira de tratar um tema tão delicado como é a saúde do trabalhador. Reforçou-se aquela ideia de que o servidor público não trata com seriedade seu trabalho e os compromissos que tem com a sociedade, o que tem um impacto no reconhecimento e valorização desses trabalhadores. Por conta da repercussão negativa da campanha, que criou uma desconfiança muito grande em relação aos servidores, o próprio prefeito fez uma declaração dizendo que o problema se limitava a uma parcela reduzida do funcionalismo, 10% segundo o que ele afirmou na época”.

Potiguara questiona a falta de transparência e a superficialidade no tratamento desse tema. E além disso, enxerga irresponsabilidade em sua proposição, pois entende que as consequências do “Decreto da Maldade” já podiam ser previstas. Segundo ele, há pelo menos quatro problemas sérios na concepção da medida:

Potiguara vê superficialidade e irresponsabilidade na concepção da medida

a) a avaliação de que a análise sobre o quadro de saúde dos servidores se resume à contagem total dos atestados e dos dias afastados e à conclusão de que são “inaceitáveis”, antes de se considerar seriamente os tipos de doenças apresentadas em cada local de trabalho e como a ocorrência das diferentes doenças tem variado ao longo dos anos;
b) a avaliação de que a forma adequada de diminuir os números “inaceitáveis” de faltas por afastamentos médicos é punindo servidores que apresentarem atestados a partir de um certo limite estabelecido para todos, independentemente de fatores como idade e histórico de saúde, que apresentam grande variação entre grupos e indivíduos – o que estabelece uma uniformidade arbitrária dadas as diferentes condições e predisposições para o adoecimento e a recuperação de cada ser humano;
c) a avaliação de que as causas de adoecimento e/ou afastamento podem ser controladas pela vontade de cada servidor, como se fosse uma escolha adoecer ou não e;
d) a avaliação de que o auxílio alimentação, ao invés de ser um direito, é uma espécie de prêmio a ser entregue para os servidores que cumprirem requisitos de não-adoecimento.

Em 2017, os servidores públicos de Vinhedo deflagaram uma greve, que reivindicava a supressão do “Decreto da Maldade”, conforme afirma Virgínia Baldan, professora da rede municipal e diretora do Sindicato dos Servidores Públicos da cidade:

“Considerando todos os problemas que vivemos no serviço público municipal, em 2017, os servidores entenderam que não poderíamos aceitar o Decreto da Maldade e nem o arrocho salarial impostos pelo governo Jaime. E essas foram as pautas de nossa greve”.

Simone Lima destaca que o Decreto tem levado servidores a irem trabalhar doentes

Simone Lima, auxiliar de Educação Infantil em Vinhedo e também diretora do sindicato destaca que o “Decreto da Maldade” tem levado muitas trabalhadoras e trabalhadores a assumirem suas funções doentes:

“O auxílio alimentação representa para parte expressiva dos trabalhadores da Prefeitura cerca de 25% de seus rendimentos. Não tem como abrir mão. Por isso, o Decreto da Maldade tem agravado o problema de saúde de muita gente, que deixa de realizar o tratamento que deveria para poder comer no mês seguinte”.

Uma campanha, que foi iniciada em fins de 2017 para organizar uma denúncia sobre os efeitos do Decreto da Maldade, vem recolhendo depoimentos de servidoras e servidores prejudicados pela medida.

“Infelizmente, a cultura de assédio moral, associada ao coronelismo político ainda muito presente na cidade, impede que muita gente que foi prejudicada se manifeste. Mas temos tido colaborações importantes, pois apesar do medo, a tristeza e a revolta causados têm levado as pessoas a participarem”, afirma Potiguara.

Alguns trechos de relatos de servidores penalizados com o Decreto 162 nos revelam um pouco dos problemas criados:

“(…) precisei ficar afastada do trabalho por alguns dias (…) fui informada no RH de que perderia o Vale Alimentação integramente. Achei uma grande injustiça, pois no momento de mais fragilidade que me encontrava não tinha condições de voltar ao trabalho.”

“(…) Muito triste essa situação de ter que trabalhar doente…Ainda mais sabendo que esse tipo de doença peguei ali mesmo onde trabalho(…)”

“(…) fui informada pelo RH que se eu apresentar esse atestado eu vou perder o Biq integral do mês! Porque eu já fiquei doente esse mês, não tenho mais o direito de ficar doente novamente dentro do mesmo mês (…)”

“(…) estava com amigdalite e uma febre de 38,9. Trabalhei a manhã inteira com crianças, em uma segunda feira, assim que saí, fui ao médico e ele me deu atestado de 2 dias, mas não apresentei! ”

“(…) Suportou a dor por duas semanas antes de correr atrás pq já sabia que seria um tratamento longo e que perderia o biq. Ela tentou esperar pelas férias mas não teve jeito, já não conseguia comer, falar e nem dormir de tanta dor. ”

A denúncia que será organizada a partir dos relatos visa fortalecer os processos já existentes na Justiça contra o Decreto, além de dar maior visibilidade à situação vivida pelos servidores.

Potiguara afirma que a indignação a respeito do Decreto da Maldade não se limita aos servidores prejudicados:

“Diante das injustiças criadas em função de uma medida absurda como essa, o que estamos observando é o fortalecimento de sentimentos de indignação em relação ao governo e de solidariedade entre os trabalhadores. Também tenho conversado com profissionais da área de saúde de Campinas e São Paulo que não conseguem se conformar com a lógica do decreto. Dizem que ele vai na contramão de tudo o que está relacionado à promoção da saúde do trabalhador.”

Virgínia Baldan questiona as prioridades do governo municipal

A professora e sindicalista Virgínia ressalta que a justificativa oficial tanto dessa como de outras medidas que o governo municipal tem tomado se relaciona à necessidade de corte de gastos e não à saúde e valorização dos servidores públicos que se dedicam à população da cidade.

“O grupo político que está à frente da Prefeitura de Vinhedo, já há muitas gestões por sinal, tem como referência central de atuação o que nós chamamos de clientelismo político, que aparece de maneira mais clara através da acomodação de aliados em cargos comissionados e funções gratificadas. Mas além disso, achamos importante sempre destacar que o grupo de Jaime Cruz é entusiasta das medidas de terceirização e privatização dos serviços públicos. E é nesse sentido que o discurso da crise tem sido usado para justificar a retirada de direitos dos servidores e da população.
Mas daí eu pergunto: como um governo que contratou shows de 200 e até 395 mil reais há pouco tempo (um dos motivos inclusive, pelo qual suas contas de 2015 foram reprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado), tem coragem de cortar 550 reais de uma mãe de família que ficou doente?”, questiona Virgínia.

A expectativa dos servidores é que o governo se dê conta dos sofrimentos causados pelo “Decreto da Maldade” e revogue essa medida.

“O sindicato tem uma ação contra a medida, mas acreditamos que qualquer administrador público com um mínimo de sensibilidade colocaria o orgulho de lado e admitiria que errou diante das consequências que estão surgindo em relação ao Decreto da Maldade”, conclui Simone Lima.

[A campanha de recolhimento de relatos sobre os efeitos do Decreto da Maldade aos servidores públicos municipais e suas famílias continua. Tanto os relatos quanto outras contribuições à luta contra essa medida podem ser feitas pelo e-mail [email protected]]