O pesquisador Frederico Azevedo da Costa Pinto, que investiga como a sociedade enxerga indivíduos doentes e lida com eles, não tem dúvida de que a Reforma Trabalhista, aprovada pelo governo Temer com o apoio do PSDB e dos políticos evangélicos, vai aumentar a transmissão de doenças e também elevar o número de aposentadorias por invalidez na população brasileira.

A Reforma Trabalhista promoveu a terceirização do trabalho e retirou direitos dos trabalhadores.

Frederico, especialista em patologia experimental, reúne atualmente dados para a pesquisa Homem Moderno: Um Animal Privado Socialmente do Direito de Adoecer, que está desenvolvendo no Instituto de Estudos Avançados da USP. Ele concedeu uma entrevista para a Revista E, em que falou sobre a necessidade, e o direito individual, de se dar o tempo de adoecimento e recuperação, como acontece com outros animais.

O aumento de transmissão de doenças entre a população vai acontecer justamente pelo fim do direito descansar ao adoecer para se recuperar. Ao ser obrigado a trabalhar mesmo doente, devido a relações de trabalho precárias como serão implantadas no Brasil em breve, esse trabalhador vai transmitir a doença no transporte público e no trabalho, além de aumentar a possibilidade de, no futuro, se aposentar por invalidez.

O pesquisador verificou em levantamento feito na Inglaterra que o número de dias perdidos entre trabalhadores autônomos é menor que o de empregados estáveis. “O autônomo falta menos porque a renda dele depende do seu volume de trabalho. Ele pensa várias vezes antes de se ausentar. Por outro lado, nos países onde há funcionalismo público estável, os funcionários públicos faltam mais do que os funcionários privados. É como se a estabilidade no emprego garantisse o direito de expressar uma doença. Todos buscam atendimento médico, só que aqueles que podem expressar a doença ficam em casa, e isso é melhor para todo mundo: ele não vai transmitir uma doença infecciosa para os colegas, nem vai ficar deprimido porque nunca pode faltar ao trabalho. Não tenho dúvidas de que a quantidade de pessoas aposentadas por invalidez, futuramente, será de uma faixa etária menor”, afirmou.

Para Frederico Costa Pinto, o trabalhador de rico também é afetado, mas a pessoa de renda inferior que ao adoecer e faltar no trabalho poderá ser demitido e substituído por outra pessoa com mais facilidade. “Não tenho dúvida de que com a precarização das leis trabalhistas isso só vai piorar. A terceirização e a flexibilização da CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] vão piorar isso: essa pessoa que ficar doente será reposta por outra. Talvez, proporcionalmente, as coisas sejam parecidas, mas em termos absolutos as pessoas de renda mais baixa são mais afetadas”, explica.

Essa é mudança de comportamento da sociedade. “Houve um tempo em que se você estava gripado, por exemplo, o recomendável era ficar em casa, repousar, tomar uma canja e esperar a doença passar. Era essa a sabedoria. Mas, como a gente se sente na obrigação de estar produtivo e saudável o tempo inteiro, seja por medo de perder o emprego ou de mostrar aos outros que somos frágeis, tomamos um antigripal que em nada vai curar aquela gripe. É como se ficar doente fosse motivo de vergonha. Mas a grande vantagem – que também pode ser o grande tiro no pé dos seres humanos – é que temos um arsenal farmacológico. Até três anos atrás, as classes de medicamentos mais vendidas pela indústria farmacêutica eram: os antigripais, os analgésicos, os antidepressivos e os medicamentos para disfunção erétil. Não que esses medicamentos não sejam importantes, mas a quantidade do que é vendido mostra essa preocupação com um bem-estar 24 horas por dia”, afirma.

O pesquisador também relata que esse é um modelo de país, mas não de todos. “Ao mesmo tempo, temos países que seguem até hoje esse padrão de comportamento workaholic e seguem estimulando a competitividade nos jovens. No entanto, vemos vários exemplos de países que há no mínimo uma década seguem na contramão desse pensamento e já reduziram a jornada de trabalho e a velocidade da rotina (…) Mesmo em termos de desenvolvimento econômico de um país, o Estado paga a conta, mais cedo ou mais tarde, da quantidade de pessoas que adoecem para manter um superávit. Inclusive, o aspecto radical desse sintoma é o suicídio. Sem dúvida, o melhor exemplo de país que ainda responde dessa maneira competitiva são os Estados Unidos, que impulsionaram esse comportamento ao máximo. No entanto, se formos analisar, os Estados Unidos têm uma história recente de desenvolvimento, enquanto países do velho continente têm uma tradição antiga. Talvez o norte da Europa, por exemplo, já tenha passado por esse problema, mas hoje vive uma pós-era que aposta na redução de jornada de trabalho, numa maior licença à maternidade e à paternidade e numa renda mínima suficiente para que o trabalhador não tenha o sucesso financeiro como missão. Tudo isso na tentativa de fazer as pessoas assumirem outros objetivos na vida”, relatou.

Frederico diz que em termos de mercado de trabalho, as empresas que já perceberam esse poder de influência e não forçam o indivíduo a trabalhar, mas investem em uma academia dentro da empresa para que o funcionário pratique exercício físico. “O plano é mantê-lo saudável, pensando, obviamente, que ele vai faltar menos ao trabalho e se tornar mais produtivo. Isso é bom ou ruim para a empresa e para o trabalhador? Não dá para considerar um grupo ou uma sociedade como sendo “a boazinha” porque tenta influenciar os indivíduos a se manterem produtivos ao cultivar um corpo saudável. Certamente, não se trata de um benfeitor, mas de uma tentativa de fazer com que o indivíduo fique funcional todo o tempo”, alerta.