.Por Luís Fernando Praga.

José Olavo de Jesus era um menino pobre, nascido num país muito capitalista e cristão. Seu pai, Zé Jesus, gostava de chamá-lo de Olavo, em homenagem a um grande filósofo contemporâneo a quem admirava. Daí: Olavinho.

Zé era vigia noturno e fazia qualquer tipo de “bico” pra engrossar o caldo ralo com que a família passava o mês.

Dulce era a mãe, que cuidava da casa, do Zé, do Olavinho e de outros dois irmãos, com um amor de mãe que não se diluiu na dureza da vida. Ocasionalmente pegava um serviço de diarista e comprava um livro para os meninos.

A vida de pobre nunca foi fácil e não abria exceção para a família Jesus.

Foram anos de sofrimento e privações, mas os meninos estudaram. A escola era um lugar triste, porque sempre havia alguém menos pobre que ofendia e ridicularizava os irmãos, que se defendiam, reagiam e brigavam, mas Olavinho era diferente: bajulava os menos pobres e procurava sempre alguém mais pobre para achincalhar e se vingar do bullying que recebia dos seus “amigos” menos desafortunados.

Os tempos mudaram, a família passou a receber uma bolsa do governo que lhes garantia um pouco mais de dignidade. Zé conseguiu um emprego melhor, Dulce concluiu os estudos num supletivo para adultos e, na adolescência, Olavinho e os irmãos ingressaram em bons cursos técnicos recém criados.

Formados, os irmãos logo conseguiram emprego e mantiveram-se em suas áreas técnicas, mas Olavinho queria mais, considerava que ainda estava muito perto dos pobres e queria muito ser rico.

Arranjou emprego numa indústria química e, graças a boas notas e um programa de incentivo do governo, entrou numa universidade pública para um curso noturno de engenharia química.

Estudou puxando o saco dos professores e trabalhou puxando o saco do patrão. Conheceu Willian, o filho do dono, que era chefe de seu setor. Foi um feliz capacho de Willian, “entregou” diversos maus funcionários, fez inimigos, ganhou promoções e a “amizade” de Willian. Após formar-se como engenheiro, encheu os pais de orgulho e assumiu a chefia do setor. Willian ficou na diretoria da fábrica.

Olavinho já vive num bom imóvel e conta com um salário invejável, quando se casa com Janaína, uma moça pobre e operária, mas ambiciosa e muito religiosa.

José Olavo de Jesus, sempre que pode, frequenta a casa de Willian e, juntos, vão ao culto, ao futebol, aos inferninhos e às festas de família.

Olavinho e Willian vão às ruas, com uma multidão de brasileiros indignados e com várias lideranças da direita progressista deste país verde e amarelo, em manifestações pacíficas que repudiam a corrupção e o populismo das esquerdas e exigem a destruição de um partido, a prisão (ou a morte) de um homem e o impeachment da presidenta.

Nascem, na mesma época, Willian Carvalhares de Mendonça Júnior e Willian Olavo de Jesus. Os filhos de Willian e Olavinho ficam amigos e brincam juntos de ser Sérgio Moro, mas estudam em escolas particulares distintas, pois Olavinho ainda não é elite.

A presidenta é deposta e a direita progressista assume o país. Olavinho e Willian tripudiam da esquerda derrotada e votam, orgulhosos, em João Dória para prefeito da cidade.

Nas ocasiões, cada vez mais raras, em que visita os pais, Olavinho chama a atenção de ambos para que não se acomodem, pois Zé e Dulce, agora, estão desempregados.

Os irmãos ajudam aos pais como podem, mas Olavinho acha que não se pode dar nada “de mão beijada” e diz que os pais precisam “correr atrás” pra merecerem sair daquele sufoco.

Os irmãos dizem que Olavinho não enxerga a gravidade da situação, que está cego e iludido por uma vida de confortos enganosos e que não passa de um pobre de direita.

Olavinho não tolera ouvir aquilo, irrita-se e mostra seu carro, as fotos de sua casa em seu celular top, seus cachorros, as viagens que faz, e conclui: “Se isso é ser pobre, vocês são o quê? Um bando de esquerdistas derrotados, só isso! O choro é livre! Comunistas! Vocês precisam é de trabalhar mais e ter mais Deus no coração, derrotados!”; e afasta-se definitivamente dos pais.

A recessão aumenta, a reforma trabalhista e a terceirização da mão de obra entram em vigor e a indústria corta gastos.

Olavinho é demitido e diz a Willian que entende a situação.

Willian, que continua na direção da empresa, cujos lucros aumentaram sem os encargos trabalhistas, garante a Olavinho que está atento e que, a qualquer nova oportunidade, entrará em contato com o amigo, mas que está complicado.

Três anos de desemprego ocupam a vida de Olavinho, que, agora, sobrevive e paga o dízimo graças ao emprego de faxineira terceirizada de Janaína. O nível de vida cai vertiginosamente e a família passa a participar do programa de “inclusão alimentar” da prefeitura.

Com seu terno, já puído, e a expressão confiante de um vencedor, Olavinho, que, hoje, só encontra Willian no culto da rica igreja que ambos ainda frequentam, puxa o ex-patrão-“amigo” para um canto do templo, onde conversam sobre a vida com artificial intimidade e Olavinho pergunta, como sempre, sobre as tais novas oportunidades.

 Willian, já impaciente, diz que a situação está ficando mais difícil e que tem pressa para ir a um churrasco com a diretoria da empresa.

No pátio externo do templo, crianças riem e brincam animadas. Olavinho e Willian se aproximam para chamarem seus pequenos e encontram o filho do desempregado chorando, cabisbaixo, enquanto as outras crianças cristãs o apontam e zombam: “Comedor de ração! Comedor de ração!”

Willian entra no carro com a esposa e o filho, que ainda abre o vidro e grita, dirigindo-se ao pequeno Willian Olavo: “Tchau, vira-latinha! Comedor de ração!”.

Janaína sofre, abraça o filho com força e promete, para si, jamais voltar àquela igreja.

Olavinho acena feliz e manda que o filho se cale, com os olhos vidrados na possante BMW de Willian, que parte cantando os pneus.