.Por Fabiana de Cássia Rodrigues.

O “Projeto Escola sem Partido”, proposto pelo Tenente Santini (PSD), foi levado à Câmara dos Vereadores de Campinas e aprovado em primeira votação, no dia 04 de setembro de 2017.

Em Campinas, o projeto traz à tona o debate ocorrido em 2015 em torno de uma proposta à Lei Orgânica n. 145/15, processo n. 218.888, de autoria do vereador Campos Filho (DEM): “O projeto solicita que seja inserido parágrafo único na Lei Orgânica do Município (LOM) vetando qualquer proposição legislativa que tenha por objeto a regulamentação de políticas de ensino, currículo escolar, disciplinas obrigatórias ou mesmo facultativas que tendam a aplicar a ideologia de gênero, o termo gênero ou orientação sexual”.

Este projeto foi aprovado em primeira votação, no dia 29 de junho de 2015. Alguns meses depois, em 28 de outubro, este vereador propôs uma moção de repúdio à questão da prova do ENEM daquele ano que trouxe uma frase da filósofa Simone de Beauvoir, o texto foi aprovado e encaminhado ao MEC. Diante de tamanha desfaçatez, bem como do constrangimento gerado em todo o país pelo disparate da moção, com repercussões internacionais, a proposta de emenda à Lei Orgânica que vetava a discussão de gênero nas escolas foi suspensa e arquivada.

Na sessão em que o “Projeto Escola sem Partido” foi votado na câmara campineira chamou a atenção o resgate do tema relativo à discussão sobre gênero nas escolas e mais uma vez o vereador Campos Filho desqualificou brutalmente a filósofa Simone de Beauvoir chamando-a de “devassa”, afirmando que bastava ir à história para ter esta informação. Bem como houve uma aproximação em sua fala entre o mencionado projeto de 2015 e o submetido pelo Tenente Santini em trâmite na Câmara.

O que há em comum entre os dois projetos? Por quais razões eles mobilizam políticos preocupados em defender que o termo gênero não seja nem ao menos mencionado nas escolas campineiras? Na câmara desta cidade o apelo maior do Projeto Escola Sem partido parece estar vinculado especificamente a este banimento. Na linha de raciocínio destes vereadores a escola não seria o local de realizar debates deste teor.

No entanto, a Lei 11.340 de 2011, conhecida como Lei Maria da Penha, em seu artigo oitavo coloca como pilar fundamental para coibir a violência contra a mulher a necessidade de colocar em destaque “nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à equidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher.”

Além desta ilegalidade, dentre outras que o “Projeto Escola Sem Partido” apresenta, tal como consta no parecer elaborado pelos professores da FE- Unicamp, os dados sobre violência sexual no Brasil não permitem que os educadores se eximam desta temática.

Na cidade de Campinas, o feminicídio ocorrido no réveillon de 2017 simboliza a gravidade da situação, um caso que envolveu discurso de ódio contra as mulheres e de ataque à Lei Maria da Penha, bem como a suspeita de abuso sexual do menor por parte do pai que assassinou a ex-mulher, o filho e outras dez pessoas.

Os dados sobre violência sexual no Brasil são alarmantes. O ministério da Saúde constatou 10 estupros coletivos por dia em 2016, conforme reportagem de capa da Folha de S. Paulo de 20 de agosto de 2017.

Comparativamente aos dados de 2011 esses números dobraram. Em Campinas a situação não é diferente, segundo o relatório de gestão do Conselho Tutelar de Campinas de 2016, a violência sexual está entre as 3 mais recorrentes entre crianças e adolescentes na cidade. As mesmas crianças e jovens que frequentam as escolas e que sofrem violência sexual dentro de casa e por parte de pessoas próximas.

A escola é o lugar onde a discussão de gênero pode fazer a diferença na vida de milhares de crianças que sofrem violência sexual, em que o estudo sobre esses temas pode barrar a reprodução dos preconceitos, das opressões para que se possa construir uma sociedade mais igualitária e menos violenta. Um projeto que defende que a temática de gênero não deve estar presente nas escolas, portanto, compactua com a dramática situação da violência sexual em nosso país.

Fabiana de Cássia Rodrigues é professora da Faculdade de Educação da Unicamp