O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), órgão colegiado composto por representantes do Estado e de organizações da sociedade civil, editou resolução do dia 23 de agosto último, em que manifesta “repúdio” a iniciativas de restrição da discussão sobre a vida política, nacional ou internacional, e também relativa a gênero e sexualidade nas escolas do país. A resolução foi aprovada por consenso pelos integrantes do Conselho, em reunião presencial realizada na última semana.

Com a medida, o CNDH estabelece um contraponto ao chamado movimento evangélico-fundamentalista ‘Escola sem Partido’, que tem fomentado a aprovação de legislações em estados e municípios. Um dos exemplos dessa proposta é o Projeto de Lei (PL) 867, que tramita Câmara dos Deputados desde 2015. O texto propõe que sejam vedadas, em “sala de aula, a prática de doutrinação política e ideológica bem como a veiculação de conteúdos ou a realização de atividades que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes”. O projeto fragiliza e criminaliza a atividade do professor.

A doutrina autoritária do Escola sem Partido foi fundada em 2004 pelo procurador de Justiça de São Paulo Miguel Nagib. Em 2014, ganhou força quando se transformou no Projeto de Lei 2974/2014, apresentado na Assembleia Legislativa Estadual do Rio de Janeiro (Alerj). O movimento, que deseja impor sua doutrinação ideológica se diz contrário ao que chama de “doutrinação ideológica” nas escolas e disponibilizou modelos de projetos de lei, estadual e municipal, a fim de que a iniciativa fosse replicada em outros locais do país. Nos últimos anos, essa perspectiva ganhou espaço no debate público, e gerou polêmica entre a comunidade escolar.

A posição do CNDH acompanha a da Organização das Nações Unidas (ONU), que em abril deste ano recomendou que o governo brasileiro tome atitudes necessárias para conduzir uma revisão dos projetos de lei (PLs) que expressam as diretrizes do Escola sem Partido”. Baseado na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e em outras regras, o CNDH aponta que o direito à educação deve ser assegurado e que o Estado deve buscar garantir o direito à igualdade e à não-discriminação.

Tendo em vista que é no período escolar escolar que muitas crianças e adolescentes começam a manifestar suas diversas formas de sexualidade, podendo sofrer preconceitos por isso, o silenciamento da escola sobre temas de gênero e sexualidade poderá gerar permanência da violência, em vez do combate à discriminação, avalia o órgão. Diante disso, “a censura a assuntos relacionados à orientação sexual e à identidade de gênero constitui grave obstáculo ao direito fundamental de acesso e permanência de crianças e adolescentes na escola, pois contribui para um ambiente hostil no qual as diferenças não são respeitadas, dificultando o aprendizado e o processo de socialização”.

A resolução também demonstra a preocupação do conselho com a disponibilização, em sites na internet, de modelos de notificação extrajudicial que ameaçam processar diretores e professores que abordem conteúdos sobre gênero e sexualidade nas escolas. O órgão destaca que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) fixa que o ensino será ministrado com base em princípios como a “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber”, o “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas” e o “respeito à liberdade e apreço à tolerância”.  Os modelos das notificações extrajudicial para ameaçar professores foi feito pelo criador da ‘Escola sem Partido’.

Entendimento do STF

A resolução do CNDH sugere ainda que o Conselho Nacional da Educação (CNE) “efetivamente esclareça a todos os gestores e instituições pertencentes ao sistema” sobre a inconstitucionalidade de duas iniciativas que objeto de ações que trataram de leis aprovadas no estado de Alagoas e no município de Paranaguá (PR).

No primeiro caso, a lei criava o programa “Escola Livre”, que vedava “a prática de doutrinação política e ideológica, bem como quaisquer outras condutas por parte do corpo docente ou da administração escolar que imponham ou induzam aos alunos opiniões político-partidárias, religiosa ou filosófica”. No segundo, proibia o ensino sobre gênero e orientação sexual nas escolas de Paranaguá. Ambas as iniciativas foram analisadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que as considerou inconstitucionais. No caso da legislação alagoana, o STF destacou que a supressão de temas das salas de aula desfavorece o pleno desenvolvimento da pessoa, além de ir de encontro à proteção ao pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas. (Agência Brasil; edição Carta Campinas)