Companheiros e ex-companheiros, familiares, amigos, conhecidos ou vizinhos foram os responsáveis por 68% dos casos de violência física, 65% da violência psicológica e 38% da violência sexual sofrida por mulheres no estado do Rio de Janeiro em 2016. É o que aponta a 12ª edição do Dossiê Mulher, lançada hoje (7) pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) do estado.

Pais, padrastos, parentes, conhecidos, amigos e até vizinhos também foram acusados de 37% dos estupros de vulneráveis no período. No total, 2.226 meninas de até 14 anos foram vítimas de estupro, o que corresponde a 55,5% dos registros deste crime. Mais de 60% dos estupros e dos crimes de lesão corporal dolosa e 40% das tentativas de homicídio contra as mulheres ocorreram dentro de casa. [E o mais incrível é que há um movimento no Brasil que tenta censurar o professor e impedir a discussão de gênero nas escolas]

Para a coordenadora dos conselhos comunitários de Segurança e organizadora do Dossiê Mulher, major Cláudia de Moraes, os dados mostram que, ao contrário da ideia de que o lar é um local seguro para mulheres e o ambiente urbano é perigoso, é justamente dentro de casa que ocorre boa parte da violência contra a mulher.

“Sempre foi difundido para as mulheres que a casa é o ambiente das mulheres, onde elas estariam seguras, e a rua seria o ambiente inseguro para as mulheres. Mas, na verdade isso não é o que se mostra. O ambiente doméstico se mostra um ambiente ameaçador para algumas mulheres”, comenta.

De acordo com ela, o fato de a vítima, em muitos casos, conhecer o agressor faz com que muitas não denunciem o crime. Além disso, Cláudia chama a atenção para as consequências da violência psicológica. “O que a gente mostra no dossiê é uma parte dessa violência, de algumas pessoas que conseguem romper esse silêncio, que conseguem entender que a relação que elas estão vivendo é uma relação de violência. Não só violência física, como a violência psicológica, que é muito perversa. A violência psicológica pode, muitas vezes, levar uma mulher ao suicídio. O lado mais perverso disso é que, por vezes, você não consegue associar a causa de um suicídio a uma violência que ela sofreu antes”.

Cláudia reitera que a vítima nunca é a culpada pela agressão que sofreu e que é necessário uma mudança cultural para que os números da violência contra a mulher diminuam. “No geral teve uma pequena redução nos registros dos delitos, mas pode-se dizer que os números estão estáveis. A maioria é na capital, mas acontece também no interior e não há registro, precisa mudar a cultura.

As mulheres merecem e têm direito a desfrutar do espaço público como qualquer cidadão. Quando a mulher não se sente à vontade, quando pensa duas vezes antes de sair de casa que roupa ela vai usar, em que lugar ela vai, onde vai sentar para beber ou conversar. Porque ela tem que fazer isso? Isso não é natural e se a gente não estranhar isso, dificilmente vai mudar. É preciso conversar sobre assédio, sobre a dificuldade de circulação da mulher no espaço público e no ambiente de trabalho, que é muito sério também, porque tem a ameaça da demissão”.

A coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Violência Doméstica Contra a Mulher, a promotora Lúcia Iloízio, explica que o número de inquéritos que chega ao Ministério Público também está estável, em cerca de 14 mil denúncias por ano.

“O Ministério Público é o destinatário dos inquéritos policiais, analisa as provas colhidas, os indícios, elementos, e é o responsável pelo ajuizamento das denúncias contra os agressores dessas mulheres. É importante essa interação com o Instituto de Segurança Pública e o estreitamento cada vez maior com a Polícia Civil, a fim de que seja viabilizada uma otimização dos recursos e um trabalho mais conjunto das instituições na questão do enfrentamento da violência contra a mulher. Hoje, a responsabilização dos agressores é importante, se faz ainda necessária e a ideia é reunir esforços nesse sentido”.

Lei Maria da Penha

O dossiê foi lançado no dia em que a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340) completa 11 anos. Lúcia destaca que a lei representou um avanço no combate à violência doméstica, mas lembra que ainda é preciso melhorar a integração entre as instituições que constituem a rede de proteção das mulheres, bem como envolver a sociedade.

“O enfrentamento da violência contra a mulher é algo que toca a todos nós da sociedade. Cada um de nós tem que ter esse compromisso de respeitar as mulheres, se envolver nessa causa, porque essa violência toda resulta de uma situação de menosprezo e desrespeito às mulheres, e todos nós estamos, de uma forma ou outra, comprometidos nesse atuar. Então, a sociedade não deve ficar aguardando a atuação exclusivamente do Estado, mas todos nós temos que dar a nossa parcela de enfrentamento a esse tipo de violência” , disse a promotora Lúcia.

Os dados do Dossiê Mulher 2017 podem ser consultados na internet, através de uma plataforma que permite a visualização dos dados com diferentes recortes como tipo de delito, localidade e perfil da vítima. (Akemi Nitahara- Agência Brasil)