O ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, defende uma postura “mais humilde” do seu partido no processo de construção de um pacto com a sociedade, com vistas às eleições de 2018. Convencido de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deverá ter acolhido o recurso contra a condenação sem provas pelo juiz de Curitiba Sergio Moro, Haddad vê Lula na disputa à Presidência da República.

Por isso, na sua avaliação, 2017 é tempo de preparo para o debate do ano que vem. “Nas conversas com as bases, que já estão sendo feitas, temos de ouvir de verdade. Não pode ser de maneira burocrática. Temos de ter mais cautela, mais humildade, e processar tudo com generosidade, até para incorporar a crítica que vai vir com a sabedoria da população, dos trabalhadores, os erros que vão ser apontados. Mas vai vir muita coisa boa também, porque temos acúmulo, temos uma história a partir da qual vale a pena reconstruir a relação”, disse o petista, comparando essa repactuação a uma discussão do relacionamento por casais que ainda têm uma história pela frente.

Haddad ministrou, na noite de sexta-feira (4) aula inaugural do curso de pós-graduação lato sensu A Esquerda no Século 21, do Instituto Dom José Gomes, de Chapecó (SC). Com apoio da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) e da Fundação Perseu Abramo (FPA), o programa é o primeiro do país a ter como objeto o estudo da história, dos rumos e das perspectivas da esquerda no Brasil, na América Latina e no mundo. Tem entre os professores a presidenta deposta, Dilma Rousseff, o coordenador do MST, João Pedro Stédile, do MTST, Guilherme Boulos, o deputado federal Jean Wyllys (PSol-RJ), além de Marcio Pochmann, Emir Sader, Eleonora Menicucci e Olívio Dutra, entre outros.

Ele destacou que, embora o PT “não esteja com a bola cheia” – o que justificou sua derrota na disputa pela reeleição na capital paulista até mesmo em bairros onde sua gestão conseguiu atender às principais demandas – o partido tem uma história, escrita principalmente pelos governos bem sucedidos de Lula.

“E isso faz toda a diferença hoje em dia. Não precisamos mais de 13 anos para convencer a população de que um operário pode ser presidente, como aconteceu entre 1989 e 2002.”

Outro ponto positivo, segundo lembrou, é que a população já não está tão refratária ao diálogo político como em 2016. E que as denúncias que vieram à tona a partir do início do governo de Michel Temer mostraram que há problemas com políticos de todos os partidos, desmentindo o discurso pré-golpe.

“Esse diálogo será muito importante porque as pessoas precisam entender que as eleições de 2018 serão um divisor de águas. Se a gente conseguir explicar o que está em jogo, certamente elas vão tomar a atitude mais sábia. Mas se a confusão continuar, as pessoas podem até tomar uma decisão que pode comprometer a próxima geração no campo dos direitos. Por que com tudo o que eles estão fazendo, se ganharem as eleições será o aval que necessitam para passar a régua nesses direitos todos”.

Em sua análise de conjuntura a partir das perguntas da plateia que se reuniu no auditório do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Chapecó e Região, o ex-prefeito afirmou que a ocupação das ruas como estratégia de luta e resistência contra os ataques à democracia e aos direitos, principalmente trabalhistas, é outra grande disputa. “Na ditadura, as ruas eram espaço de manifestação pelos direitos de todos. Na democracia, foram às ruas pedir a volta da ditadura, com patos de todas as cores. Então ir pra rua não significa muita coisa boa a menos que a gente fale de algo concreto. As ruas estão em disputa, como o projeto de país, e pelos nossos sonhos”.

Ele criticou as distorções do sistema tributário brasileiro, que penaliza mais as pessoas mais pobres, que proporcionalmente pagam mais impostos. E lembrou que quando a reforma tributária surgia no debate logo botavam os patos na rua “contra a corrupção”. Criticou a concentração da mídia, sob controle de algumas poucas famílias, que têm pautado os destinos da nação e que, de dois anos para cá, tiraram do debate tudo o que não é reforma trabalhista e da Previdência.

Defendeu uma reflexão sobre o atual paradigma de relacionamento com o meio ambiente, baseado na dominação da natureza pelo homem e o “troco” devolvido pelas agressões, na perspectiva de revisão desse modelo. Reivindicou uma polícia desmilitarizada e sobretudo comunitária, gerida pelo poder público municipal com recursos estaduais, como acontece em muitos países que conseguiram resolver seus problemas com a segurança.

E reforçou o espírito da mensagem de sua aula. “O espírito da esquerda no passado e no futuro é aquele em que muitos abraçam a mesma causa e são capazes de transformar o mundo para melhor para todos”.(Por Cida de Oliveira- RBA)