Por Jhenifer Silva

É muito recorrente, para grande parte das mulheres, que o início da amamentação seja uma fase muito difícil e dolorosa. O meu caso não fez parte da exceção, infelizmente. O desfecho da minha primeira gravidez, há sete anos, foi uma cesária desnecessária, como é de praxe no Brasil.

E foi preciso anos para minimamente descobrir, a partir da descrição de meu estado pós-operatório a profissionais humanizadas, que as complicações do meu quadro provavelmente decorreram de uma hemorragia pós-parto.

Em meio aos inúmeros problemas que tive tão logo acordei da anestesia, o que mais me preocupou foi o sangue que saía das minhas mamas. A proporção de sangue era tão estranha, que os profissionais recorreram ao plasma para buscar controlá-la.

Nenhuma palavra que explicasse a situação me era destinada; o tempo todo me diziam que não sabiam o que estava acontecendo. Diante disso, não fui autorizada a oferecer o meu peito para Otto. Era preciso descobrir o que eu tinha, antes, e reverter o quadro.

Em meio a isso, o hospital, sem pedir a minha autorização, começou a oferecer leite artificial ao meu bebê por meio de uma sonda, uma vez que eu não havia levado mamadeira na bolsa. Foram cinco dias internada sem poder pegar e cuidar de Otto, fazendo muitos exames e sendo entupida de medicamentos.

No quinto dia, o sangue havia diminuído bastante e já era possível ver o colostro avermelhado. Obtive alta e a autorização de dar o peito, caso desejasse, assim que o leite saísse clarinho, pois do modo como estava era sinal de que só faltava o canal acabar de limpar. Junto da alta veio a receita do leite que Otto deveria tomar, no valor de 60 reais.

Mas amamentar era tudo o que eu queria e, apesar da imensa frustração, não desisti. Passei a ordenhar bastante os meus peitos na tentativa de “limpar” o canal e fui oferecendo o peito, tentando do jeito que dava. Mas eu não conseguia ordenhar o suficiente e Otto não mamava quase nada; nessa, meu peito começou a empedrar. Mais dor. Mais desespero. Mais desânimo.

Enquanto isso, fórmula para complementar as mamadas frustradas. Como o debate acerca desses assuntos era ainda muito tímido em 2010, não tinha acesso a informações. O sangue cessou completamente por volta do 10º dia e então decidi teimar com o peito exclusivamente.

Eis a continuação da segunda temporada do meu terror: o peito voltou a sangrar, mas por outros motivos. Otto não sabia mamar e eu não sabia ensiná-lo a pega correta. A pega errada acarretou muitas fissuras no bico do meu peito e a dor que eu sentia era inenarrável. Comecei a acreditar que amamentar seria impossível.

Minha mãe voltou a dar a fórmula depois das mamadas porque “o que ele mamava não era suficiente”. Não me lembro exatamente como se deu o ganho de peso de Otto nessa fase; só me lembro que a fórmula que comprei ao sair do hospital voltou a ser rotina na vida dele. Meus peitos cheios de leite, empedrados, com o bico rachado e Otto tomando fórmula. O verdadeiro caos.

Otto chorava muito de um lado. Eu, de outro. Muitas pessoas, ao invés de ajudar, falavam que poderia acontecer coisas terríveis ao meu bebê devido à minha teimosia. Hoje consigo entender que parte das pessoas que atrapalharam só queriam ajudar, mas não tinham acesso a informações de qualidade; apenas reproduziam os mitos que são veiculados inclusive nos próprios centros de saúde.

Foi uma grande amiga, a Nathalie Gingold, que também passou por uns bocados com a primeira filha, que me sugeriu uma consultora de amamentação. Essa profissional nos salvou! Aprendi como colocar a boquinha do bebê no meu seio, aprendi que passar o próprio leite no bico, e tomar sol em seguida, ajuda na cicatrização e no fortalecimento da região, que é muito sensível inclusive por não ter acesso ao sol, dentre outras coisas. Em questão de dias, meus seios estavam cicatrizados, Otto já estava craque e tudo passou a fluir lindamente.

Dito tudo isso, devo admitir: nem sempre é fácil. Pelo que ouço das mães por aí, quase nunca, eu diria. Mas também não é impossível. Além do mais, existem, sim, mulheres e bebês que tiram de letra de primeira. Cada situação é única e que bom!

O importante é termos a certeza de que essa fase aparentemente interminável passa (porque passa) e cede lugar a um dos momentos mais interessantes da vida de mãe. No entanto, é necessário, conforme busquei relatar, muita informação de qualidade, ajuda e força para enfrentar os julgamentos alheios — coisa que demorei a ter. Porque gente para desestimular é o que não falta.

Se você chegar ao seu limite e vir que não deu, tudo bem. Aceite sem culpa e siga a nova vida. Mas é bom saber que, se a gente consegue superar esse período por vezes assombroso, o depois pode ser uma delícia. É uma delícia. Por isso, mais uma vez: busquemos informação de qualidade. E façamos da frase “vai passar” nosso mantra.

Às mulheres que não conseguiram ou não quiseram amamentar, não se sintam diminuídas diante desse assunto. Desistir no meio desse processo todo, estando na loucura do puerpério, é completamente compreensível. E certamente passou pela cabeça da maior parte das mulheres que sofreram para amamentar — ao menos da minha (e de muitas amigas) passou.

Quanto à decisão de não amamentar, também precisamos deixar de julgá-la, pois o direito de escolha de cada mulher deve ser individual e inalienável. Contudo, é preciso que essa escolha seja feita com conhecimento de causa, não por falta dele.

Outro fator importante é entender que ressaltar a importância da amamentação, independente da escolha individual de cada um, é um passo necessário para o reconhecimento de que se trata de um assunto político e, portanto, de ordem coletiva. Não apenas por ser questão de saúde pública, mas também porque se trata de ir contra a lógica de mercado que domina o campo da saúde na atualidade. E contra algo mais velado, referente ao controle do corpo da mulher, frequentemente hipersexualizado.

Porém lembremos: nossos seios não existem para o deleite masculino! Por isso, não temos de nos esconder na hora de amamentar, tampouco nos furtar dessa possibilidade em nome de manter o “bom corpo” para o companheiro. E quem se incomodar, seja com o peito à mostra, seja com o peito “caído”, que se retire do ambiente e das nossas vidas.

Espero ter deixado claro que nenhuma mulher é menos mãe por não ter amamentado. Mas também nenhuma mulher deve dar-se o direito de diminuir a importância desse ato – o de amamentar e o de estimular a amamentação – por não ter amamentado. O presente é tão grande, mulheres, não nos afastemos. Sigamos de mãos dadas cientes de que com o desmame precoce só a Nestlé ganha.

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