Um dos trechos mais ridículos da sentença de Sérgio Moro em que condena Lula está nos parágrafos em que ele reconhece o esforço de Lula no Governo para promover o combate à corrupção, mas diz que isso não prova nada, inclusive porque o ex-presidente não invadiu a competência do Supremo Tribunal Federal para mandar “prender logo” os condenados antes de esgotados os recursos – entendimento centenário de nossa Justiça . Diz o trecho:

793. É forçoso reconhecer o mérito do Governo do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva no fortalecimento dos mecanismos de controle, abrangendo a prevenção e repressão, do crime de corrupção, especialmente nos investimentos efetuados na Polícia Federal durante o primeiro mandato, no fortalecimento da Controladoria Geral da União e na preservação da independência do Ministério Público Federal mediante a escolha, para o cargo de Procurador Geral da República, de integrante da lista votada entre membros da instituição.
794. É certo que não se trata de exclusiva iniciativa presidencial, já que o enfrentamento à corrupção é uma demanda decorrente do amadurecimento das democracias, mas o mérito da liderança política não pode ser ignorado.
795. Algumas medidas cruciais, porém, foram deixadas de lado, como a necessária alteração da exigência do trânsito em julgado da condenação criminal para início da execução da pena, algo fundamental para a efetividade da Justiça Criminal e que só proveio, mais recentemente, da alteração da jurisprudência do Egrégio Supremo Tribunal Federal (no HC 126.292, julgado em 17/02/2016, e nas ADCs 43 e 44, julgadas em 05/10/2016). Isso poderia ter sido promovido pelo Governo Federal por emenda à Constituição ou ele poderia ter agido para tentar antes reverter a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Deus meu! É escandaloso que um juiz, numa sentença criminal condenatória, que implica em perda de liberdade, “julgue” o comportamento de um Presidente da República por não ter mandado “emenda à Constituição” para acabar com a prisão somente após o trânsito em julgado das sentenças. E muito mais ainda sugerir que “ele poderia ter agido para tentar antes reverter a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal”!

Como é que um Presidente da República “age para reverter jurisprudência” do Judiciário senão interferindo em outro poder, de forma espúria? O que o Doutor Moro está sugerindo, em sua sentença, que Lula deveria ter feito é cometer um crime!

Crime de responsabilidade, nos termos do Art. 4º da Constituição Federal que elenca como um deles atentar contra “o livre exercício do Poder Judiciário”.

Como seria a “ação” de Lula, Dr. Moro? Pressionar os ministros do STF a tomarem esta decisão? Nomear para o STF apenas quem se comprometesse a mudar a tradição protetiva da Justiça brasileira? Convocar uma manifestação “bolivariana” para a porta do Supremo, aos gritos de “prende, prende, prende!”

O juiz está sugerindo que se o réu tivesse praticado crime em favor da tese encarcerante que defende poderia ser diferente e favorável a sua formação de convicção sobre sua honradez?

Bem, é apenas mais um dos inúmeros absurdos contidos na sentença, como o foi o de considerar “hostilidade” a defesa recorrer ao Judiciário contra o que considerava abusos de Moro, dado que o recurso à Justiça é direito constitucionalmente abrigado…

Há outros, vários outros momentos chocantes na sentença, como aquele que diz que o fato de diversas auditorias não terem detectado os desvios na Petrobras não serve de razão para Lula, ou só “seria esta talvez uma questão relevante se o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva fosse acusado da responsabilidade pelo esquema criminoso que vitimou a Petrobras por omissão”. Mas como “a acusação é no sentido de que ele teria dele participado ativamente, inclusive beneficiando-se indiretamente”, embora não se prove a participação ativa, isso “não vem ao caso”.

A sentença de Moro é autoincriminatória e revela, por estas e por outras, que o juiz abordou o processo com convicções prévias e formou seus conceitos a partir da posição política hostil que guarda em relação a Lula.

Um juiz que critica e condena um Presidente da República, numa sentença, por não pressionar o Supremo a tomar tal ou qual decisão de sua exclusiva competência, teria, a rigor, de sofrer um processo no Conselho Nacional de Justiça.

Mas Moro é um deus, que tudo pode com aqueles que o fortalecem. (Por Fernando Brito/ Tijolaço)