A história da bioquímica brasileira Margaret Magdesian (foto) pode ser mais um exemplo de como o Brasil e países que investem pouco em pesquisa perdem seus principais cientistas para países como Estados Unidos, Canadá e outros.

Atualmente, Margaret é a principal executiva da Ananda Devices, empresa que criou no Canadá e que produz dispositivos biocompatíveis para facilitar a pesquisa com células.

Mas tudo começou no ensino público brasileiro. Margaret fez a graduação em Farmácia e Bioquímica (1996) e o mestrado, doutorado e pós-doutorado em Ciências Biológicas, todos na Universidade de São Paulo (USP).

Nesse período, fez iniciação cientifica no Instituto Butantan, com bolsa da FAPESP, quando trabalhou com veneno de cobra em biologia molecular. Depois fez mestrado e doutorado no laboratório do professor Walter Colli e da professora Maria Julia Manso Alves, no Instituto de Química da USP. “Fiz um pós-doutorado curto com eles e logo passei em um concurso de docência na UFRJ [Universidade Federal do Rio de Janeiro]. Durante o doutorado, estudei a interação do Trypanosoma cruzi com células de mamíferos, e foi quando aprendi realmente a cultivar qualquer tipo de célula. Porque eram vários tipos celulares para testar invasão do parasito. Quando me mudei para o Rio de Janeiro, a ideia era utilizar todo esse aprendizado para estudar os neurônios, uma célula com a qual, na época, ainda não tinha trabalhado”, contou em entrevista à Fapesp, quando esteve no Brasil para fazer a palestra “O futuro das culturas celulares”, no Instituto Butantan, em junho de 2017.

Em 2008, foi convidada para trabalhar no laboratório de David Colman, diretor do Programa de Neuroengenharia da McGill University. “Quando cheguei ao Canadá, a experiência que acumulei foi fundamental para poder desenhar os dispositivos celulares. Porque eu trabalhava com os engenheiros. Eu era a parte biológica do projeto multidisciplinar. Os engenheiros produziam uns dispositivos cheios de tubos e de óleo e eu dizia que não podia para evitar a contaminação da cultura celular”, conta.

De cientista à empresária

A guinada para o empreendedorismo na vida da bioquímica Margaret Magdesian veio da insatisfação com um equipamento científico. Trata-se da placa de Petri, usada em pesquisas com microrganismos e culturas celulares, mas que, como modelo de tecidos humanos, deixava muito a desejar.

“A ciência avançou e a placa de Petri continua a mesma há mais de 100 anos. As células que crescemos hoje em laboratório nesses instrumentos não representam corretamente as células do corpo humano. Não são um modelo eficiente, ainda mais para os neurônios”, disse durante a palestra no Instituto Butantan .

No Canadá, Magdesian iniciou o desenvolvimento de uma alternativa para a placa de Petri. O resultado são dispositivos com base em silicone que funcionam como moldes para o crescimento de células de forma organizada, de modo similar ao que ocorre no corpo humano. A inovação recebeu diversos prêmios no Canadá, Estados Unidos e na França e foi considerada uma das 10 principais descobertas científicas de 2016 pela revista Québec Science.

No começo, Margaret fazia de modo artesanal, mas uma empresa alemão ligou dizendo que queria comprar 10 mil dispositivos. Foi aí que precisou criar uma empresa e teve a facilidade que precisava no Canadá. “E eu, que passei a minha vida inteira com um microscópio, perguntei: como é que se abre uma empresa? Disseram para perguntar na Faculdade de Administração. Chegando lá, descobri que havia um concurso aberto para startups [novas empresas de tecnologia]. Era só mandar o meu business plan (plano de negócios). Não fazia ideia de como deveria ser um plano de negócios, mas aprendi e fui uma das vencedoras da Dobson Cup Innovation Competition. Um dos jurados era um dos fundadores do Yahoo e outro também era profissional de empresa de tecnologia do Vale do Silício. Ambos se ofereceram para investir na minha ideia. Em outubro de 2015, saí da McGill e passei a me dedicar exclusivamente à empresa”, conta.

Formada no Brasil até o pós-doutorado, Margaret produz no Canadá. Com menos de um ano de existência, a empresa já vendeu milhares de dispositivos para cientistas de países como Canadá, Estados Unidos e Brasil, auxiliando trabalhos nas áreas de neurociência, imunologia, parasitologia, câncer e células-tronco. “Foi no Brasil que aprendi a cultivar qualquer tipo de célula em qualquer ambiente, algo fundamental para desenvolver os dispositivos para cultura celular”, disse. (Carta Campinas com informações da Agência Fapesp)

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