Por Guilherme Boneto

Nem PT, nem PMDB, nem PSDB, nem nenhum de seus satélites e adversários conseguiram, em três décadas de redemocratização, debater com a sociedade de forma efetiva sobre a homofobia e a cidadania LGBT. Quando esta é a pauta nas eleições, limitamo-nos a escolher sempre o menor pior, aquele que não fará nada para prejudicar gays, lésbicas, bissexuais e transexuais. A escolha é sempre entre o que fará algo para suprimir direitos e o que nada fará. Trata-se de uma escandalosa e inaceitável situação de omissão e alienação política.

O PL 122, de 2006, que criminalizaria a homofobia, foi aprovado na Câmara dos Deputados e não conseguiu passar pelo Senado Federal. O ex-senador Marcelo Crivella, que hoje é ninguém menos que o prefeito do Rio de Janeiro, disse à época em entrevista a um indignado Jô Soares que não concordava com a aprovação do projeto por parte dos deputados, complementando a explanação com um fenomenal e politizado “acho que é pecado”.

As proposituras que tentam alterar o Código Civil e a Constituição para determinar que o casamento seria a “união entre duas pessoas”, como já ocorre na prática no Brasil, jamais são sequer discutidos no Parlamento brasileiro, porque os deputados e senadores têm pavor de parecerem apoiadores das minorias sexuais.

Todas as conquistas da população LGBT advieram de manifestações do poder judiciário, que faz, no tocante a essa temática, as vezes de legislativo. Em princípio, aprovou-se a união estável de pessoas do mesmo sexo, um documento que tem poder para ser convertido em casamento.

Juízes país afora começaram a aprovar justamente essa conversão, e em 2013, uma ordem do Conselho Nacional de Justiça determinou que todos os cartórios do país realizassem o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. Embora, na prática, não haja mais restrições a esse tipo de união, a lei ainda diz: é entre homem e mulher. Alterar a norma é prerrogativa do poder legislativo, que ou se omite, ou age contra.

Notemos que o PT ficou no poder por mais de treze anos e jamais propôs um debate efetivo a respeito da homofobia que vitima milhares de brasileiros todos os anos, física e psicologicamente. O ex-presidente Lula limitou-se a declarar seu apoio às pessoas LGBT e a participar de eventos; Dilma Rousseff, por outro lado, tratou de ignorar o assunto ao longo de todo o seu primeiro mandato, quando tinha apoio e legitimidade para promover reformas.

Na segunda campanha, a presidenta recebeu apoio massivo das pessoas LGBT, com promessa de criminalizar a homofobia, mas diante do desastre a que se reduziu o seu segundo mandato, ela nada foi capaz de fazer. Embora suas bancadas sempre votem de maneira favorável às minorias sexuais, como é tradicional na esquerda, isso nunca é suficiente para aprovar novos projetos; no entanto, o PT teve tempo mais que suficiente para utilizar-se da máquina estatal e educar a população sobre a homofobia e as pessoas que morrem em decorrência dela todos os anos.

Em sua eterna tentativa de agradar a todos, entretanto, o partido escolheu nada fazer, e quando tentou fazer algo, demonstrou lamentável timidez diante da sanha fascista e homofóbica.

As bancadas do PSDB, por outro lado, ou se omitem, ou votam contra projetos de lei que ampliam a cidadania das pessoas LGBT. Veja, por exemplo, o projeto de criminalização da homofobia, que mencionei acima: votou-se no Senado, em 2014, o apensamento da criminalização ao projeto do novo código penal, que tramita há milênios no parlamento.

À época, absolutamente nenhum senador do PSDB votou pela continuação da tramitação do projeto. Nenhum. Do PT, somente o senador fluminense Lindbergh Farias tomou a mesma atitude, mas o parlamentar em questão merece reflexão à parte. O PSDB vem buscando há anos apoio nas camadas mais conservadoras da população, e para agradar esse eleitorado à direita, suas bancadas lamentavelmente optam pelo retrocesso.

É admirável que, ao mesmo tempo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso se posicione como um baluarte progressista. Figura respeitada que é, aqui e no mundo todo, FHC poderia utilizar-se de sua influência nesse debate, que é tão importante.

Tal como ele, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, com pretensões presidenciais, apoia a parada LGBT da capital paulista e vem demonstrando apoio, ao longo de sua carreira política, às minorias sexuais. Foi Alckmin, por exemplo, quem sancionou a primeira lei estadual contra a homofobia no Brasil, aqui em São Paulo – trata-se da Lei 10.948/2001, de autoria do então deputado petista Renato Simões.

É lamentável que os parlamentares do PSDB não adotem posturas parecidas: com o apoio deles, poderíamos ter, hoje, uma legislação muitíssimo mais avançada.

A pauta do atual governo é permanecer no poder até o fim do mandato e, quem sabe, aprovar as demolições das legislações trabalhista e previdenciária antes disso. Não esperemos dessa gente absolutamente nada em prol da população LGBT – devemos, isso sim, torcer para que nos deixem em paz.

No entanto, estamos sempre sob severo risco de retrocesso – basta analisar os pré-candidatos à presidência da República, caso haja eleições em 2018. Dar ampla proteção às minorias sexuais é característica de sociedades avançadas, peculiaridade da qual nós, em nosso eterno atraso, fazemos absoluta questão de manter distância.

Este mês do orgulho LGBT serve para que reflitamos sobre todas as conquistas que obtivemos, os debates que a mídia e a sociedade propiciam, e tudo o que ainda falta para que, um dia, alcancemos a cidadania plena.