Por Cynara Menezes

Há uma história pouco contada dentro da histeria anticomunista que tomou conta dos Estados Unidos entre 1947 e 1956, a chamada “caça às bruxas” ou Macarthismo: a perseguição, pelo senador Joseph McCarthy e seus discípulos, aos professores do país.

Em março de 1952, a Suprema Corte norte-americana atestou a constitucionalidade da Lei Feinberg, aplicada no Estado de Nova York desde 1949. De acordo com a lei, as escolas públicas estavam proibidas de contratar professores “subversivos” e poderia demitir todos os docentes que julgassem “comunistas”.
Após o Supremo dar seu aval à lei, que contrariava frontalmente a primeira emenda da Constituição norte-americana, vários outros estados a adotaram, perseguindo e demitindo professores apontados como “subversivos”. Na maioria dos Estados, os docentes contratados por instituições educacionais públicas depois desta data eram obrigados a assinar um juramento atestando que não eram nem nunca foram comunistas.

Por 6 votos a 3, os juízes da Suprema Corte consideraram, como noticiou o New York Times na época, que “o Estado tem o direito constitucional de proteger as mentes imaturas das crianças nas escolas públicas da propaganda subversiva, sutil ou não, disseminada por aqueles para quem elas olham buscando informação, autoridade e liderança”.

Qualquer semelhança com o que diz o movimento Escola Sem Partido no Brasil de 2017 não é mera coincidência: “É fato notório que professores e autores de livros didáticos vêm-se utilizando de suas aulas e de suas obras para tentar obter a adesão dos estudantes a determinadas correntes políticas e ideológicas; e para fazer com que eles adotem padrões de julgamento e de conduta moral –especialmente moral sexual– incompatíveis com os que lhes são ensinados por seus pais ou responsáveis”.

Na prática, a Corte Suprema norte-americana avalizou o que já estava ocorrendo em todo o país com a “caça às bruxas” promovida pelos macarthistas em escolas e universidades: professores eram dedurados, submetidos a interrogatório e perdiam seus empregos. A paranoia anticomunista na educação havia começado em 1946, com a formação do Conselho Nacional para a Educação Americana, uma organização que tinha como finalidade “erradicar o socialismo, o comunismo e todas as formas de marxismo das escolas e universidades da América, e estimular a educação americana”, seja lá o que isto signifique.

Um ano antes de a lei Feinberg ser considerada constitucional, em fevereiro de 1951, o diretor do FBI, J. Edgar Hoover, instado por governadores de estados como Delaware e Illinois, decidira passar a espionar professores das escolas públicas e universidades do país para que os políticos não precisassem passar pelo “constrangimento” de serem acusados de perseguir docentes. Se os governadores fossem municiados confidencialmente, argumentaram, poderiam se proteger das acusações. A partir daí, o FBI teve carta branca para expandir a espionagem que fazia sobre os artistas hollywoodianos, intelectuais e políticos também ao professorado e demais funcionários públicos dos EUA.
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No início dos anos 1960, um grupo de professores da Universidade de Búfalo, no Estado de Nova York, se recusou a assinar o juramento sobre ser ou não ser comunista e decidiu apelar à Suprema Corte. Encabeçados pelo professor de Letras Harry Keyishian, os docentes ganharam a causa e a lei Feinberg, que proibia a contratação de comunistas, foi finalmente considerada inconstitucional em janeiro de 1967, por um placar apertado de 5 a 4.

O caso, que ficaria conhecido como Keyishian vs. Board of Regents, é considerado o mais importante em defesa da liberdade acadêmica da história do Direito norte-americano.  Após a reversão na Justiça, todos os professores que perderam seus empregos em virtude da perseguição macarthista foram readmitidos e tiveram sua aposentadoria assegurada.

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Em fevereiro do ano passado, o Boston Globe contou a história de como a loucura anticomunista do macarthismo destruiu a vida de uma professora na cidadezinha de Wayland, Massachusetts, em 1954. De nada adiantou Anne Hale afirmar, em um pronunciamento público, que era uma defensora da Constituição e da democracia, apesar de ter sido membro do Partido Comunista norte-americano na juventude. Foi demitida e perseguida a vida inteira. Só foi reintegrada à escola pública pela Justiça em 1968, 14 anos depois, quando se encontrava doente. Morreu antes de reassumir, aos 60 anos, vítima de um tumor no cérebro.
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50 anos depois que esta tragédia acabou, tentam ressuscitá-la no Brasil com o nome de Escola Sem Partido. O projeto de lei que regulamenta esta aberração está em discussão no Congresso, mas a caça às bruxas já está acontecendo: alunos estão gravando professores em sala de aula para acusá-los sabe-se lá de quê nas redes sociais; o vereador de direita paulistano Fernando Holiday invade escolas para assediar e constranger professores; coordenadores escolares recebem denúncias por e-mail acusando professores de serem “gays ou esquerdistas”; e uma professora de Santa Catarina está sendo processada na Justiça por uma aluna reaça por dar um curso sobre feminismo.

Se esta lei for aprovada, imaginem o que não fará às nossas escolas e à liberdade de expressão dos professores. O projeto em apreciação na Câmara deixa explícito que, como aconteceu nos EUA na década de 1950, abrirá caminho à deduragem e às perseguições de esquerdistas. “As secretarias de educação contarão com um canal de comunicação destinado ao recebimento de reclamações relacionadas ao descumprimento desta Lei, assegurado o anonimato”, diz o texto do famigerado projeto da Escola Sem Partido. É o neomacarthismo demonstrando que a direita brasileira caminha para trás. (Do Socialista Morena, texto completo aqui)