Por Luís Fernando Praga

1 Censurado

Queria falar de amor e alegria, coitado, mas a poesia vivia em pleno golpe de estado…

2 Alerta

Quem espera passivo o juízo final é reprovado na seleção natural.

3 Coletivo

A liberdade de todos compõe a minha, não nego.
Quem se crê livre sozinho é um prisioneiro do ego…

4 Todos

Refém de ser um ser tão incompleto,
Preenchia-me uma mórbida agonia.
Alguém me suplicava água e afeto,
Mas eu ignorei, porque sofria.
Não vi a angústia dos que não têm teto
Nem a dor das crianças violadas.
Alheio à aflição dos excluídos,
Das mulheres reclusas e queimadas,
Não chegam aos meus olhos corrompidos
As chagas desse povo ajoelhado,
Escravo de um mundo malfazejo,
Famintos, despejados ao meu lado,
Soldados de uma guerra que não vejo,
Todos eles do lado derrotado.
E alimentado, em minha cama quente,
Irado espalho a febre pelos ventos,
Desforro a minha angústia nessa gente,
Treinado a não sentir seus sentimentos.
Todos sofriam mais e eu não via
E algum amor que eu tinha se perdeu.
Eu não pude enxergar, porque eu sofria…
Sofria porque todos eram eu.

5 Compaixão

Seria só a minha, não fosse a dor vizinha…

 

6 Abrigo

Se alguma dor senti, que não foi minha,
Ah, como sou grato ao pobre proprietário!
Um coração que abriga a dor vizinha
É semente de um mundo solidário…

7 Engajada

No tempo das prosas sérias a poesia tirou férias. Foi breve, voltou e entrou em greve…

8 Inesgotável

Nascida num vento de tarde gostosa, num campo de flores, gerada singela,
sutil aquarela de um céu cor de rosa, cantada em sussurros pra musa mais bela…
Mas ela é mais ela, ela pula o muro e no lado escuro vagueia vadia,
chorando o presente pressente o futuro e a morte é o juro da vida vazia.
Se vira, se grita nem virgem nem santa, cansada de tanta verdade fajuta, escorre gemida
das bocas sem janta e canta bem alto, bem louca, bem puta, bem indignada, escudo e espada,
espelho da vida nem quer ser bonita, recolhe num canto a musa incubada, se encara sem medo,
se ama maldita, de cima do salto, poder imponente, a dama doente reclama a justiça
no sangue indigente que jorra da gente, que vira notícia e recende à carniça
na hora marcada pra ser pessimista, quando a humanidade derrapa na pista.
Ela sabe que existe e olha de cima, tanta ignorância, tanto ódio racista,
ela insiste, ela ama, ela cria outro clima.
Nem a ditadura que mata os poetas: eu mesmo me morro um punhado por dia, não fosse a loucura
que cura meus olhos das coisas concretas, é duro saber que nem ser eu seria.
De tanta chacina perdemos heróis, mas a heroína da gente sem voz enfrenta os que matam
em nome da paz.
Não morre por nada, não sofre calada, ela nunca se omite, desiste jamais, não seca no inverno
ou nos confins do inferno que tenta culpá-la, em vão, todavia, a vida nos mostra que a história
não mente e pela utopia, nos vãos da alegria, por mais que destruam, por mais que se tente
ninguém aniquila um só grão da poesia…

9 A Receita

Uso utópico:
Para as agruras da vida,
Diversas vezes ao dia,
Passe na parte ferida
Paz, Amor e Anarquia!

 

10 Naturalmente

Desejo que a vida venha incerta como vem vindo…
A cada detrás das curvas do tempo de minha vida,
Que eu refaça meu destino num horizonte mais lindo,
Deixando pro meu passado alguma uma ilusão vencida.
Quero trocar meus segredos por muitas palavras boas,
Que adormeçam os medos e que questionem verdades;
E o melhor que eu possa ser, igual às outras pessoas,
Que eu construa em cada agora repleto de liberdades.
Eu desejo que a poesia germine nos pensamentos,
Profunda como o infinito, doce e tenra como a ameixa.
Quero ser leve e ser livre pra ir onde vão os ventos
E ajeitar meus cabelos do jeito que vento deixa!

11 Ávido amor

O amor é a ave livre, cantadora e colorida
Capaz de voos tão altos que elevam nossa vida,
Mas é calado, mirrado, tristonho, chega a dar pena,
Quando vive aprisionado num coração que condena.

12 Vanguarda

O amor não segue padrões, caminha à frente de todos…