Ao ler um texto de Márcia Tiburi, em Filosofia Prática, pareceu-me que a artimanha da imagem do atual prefeito de São Paulo, João Dória (PSDB), alçado ao poder com o apoio do governador Geraldo Alckmin (PSDB), estava ali desmascarada. Márcia fala sobre o conceito de  ‘personalidade autoritária’ de Theodor Adorno.

No entanto, vale uma ressalva em relação a Geraldo Alckmin, que é do mesmo partido. A construção de Dória é muito diferente da de Alckmin. Tudo o que Dória faz em público, Alckmin, talvez por formação e educação, não teria audácia de fazer. Mas Alckmin foi o padrinho da ascensão política de Dória. É como se Dória fosse o avesso de Alckmin, o lado feio do governador, que ele próprio não tem coragem de mostrar, apesar de concordar e dar o aval, como o fez para a candidatura Dória.

A relação de Dória com a verdade

Esse esses dois modelos de políticos parecem bem apresentados e descritos quando Tiburi descreve a ‘personalidade autoritária’, conceito de Theodor Adorno, que era alemão de Frankfurt. Ele viveu de perto o nazismo e se exilou nos EUA.  Tiburi parece esclarecer dois tipos políticos que estão presentes na vida das democracias representativas. O projeto político fascista, que emergiu das trevas recentemente no Brasil, e o projeto tradicional burguês. O projeto de Dória parece se encaixar no primeiro, onde não há a possibilidade do diálogo e da figura da alteridade, por isso seus ataques e fixação em Lula e no PT.  Já Alckmin, no segundo, seria um pouco mais sofisticado.

Para Adorno, na ‘personalidade autoritária’ a autocrítica é impossível. Isso é perceptível em qualquer entrevista de Dória. Anota Tiburi:  “O sujeito autoritário é tão incapaz da autocrítica quanto do diálogo. Falta-lhe a figura da alteridade. Daí que o indivíduo, o verdadeiro ‘sujeito’ da personalidade autoritária, fale para vencer e subjugar o outro que só existe para ele como o objeto.  A intenção do diálogo não faz parte do seu conjunto de valores, mas apenas o da dominação. Por isso ele usa a retórica que pode, ele engana, falsifica, a verdade não lhe importa; o grito, a força, o xingamento, a ordem, a ameaça configuram o seu padrão de linguagem básico”. Essa descrição é perceptível no tom das entrevistas, práticas e reações à qualquer crítica ao projeto Dória. Daí a sua aproximação ideológica com Bolsonaro.

Mais a frente, Tiburi diferencia o ‘burguês’ do fascista, dentro da personalidade autoritária, o que parece estabelecer uma diferença básica entre projetos autoritários diferentes.  “Pode parecer que o fascista seja uma figura anacrônica, já que vivemos em tempos democráticos.  O ‘burguês’, um termo relativamente velho que, segundo Roland Barthes, os próprios burgueses abominam, seria um nome bom para o sujeito da personalidade autoritária. O burguês é aquele que vive na aparência dos bons valores, mascarando a barbárie que atrapalha seu estilo de vida. O fascista é o sádico, sua satisfação é o ódio, sua expectativa é a destruição. No extremo, a diferença entre eles é que o primeiro mantém as aparências. A sinceridade não é um valor para nenhum dos dois. Partilham, no entanto, com máscara ou não, o mesmo projeto de um poder que se mantenha a si mesmo e que seja sempre o seu próprio poder.” (p. 63/54)