Por Luís Fernando Praga

Os tempos são difíceis e confiar em político tem se mostrado um ato, com o perdão da palavra, temerário; entretanto, nosso sistema político, que sempre imunizou, que protege, mima, blinda, garante altos salários e grandes regalias, permite que os políticos se corrompam sem que ninguém fique sabendo nem dos montantes e motivos envolvidos.

Quem conhece o sistema sabe que ele é regido por uma ética e por regras diferentes daquelas que regem a nós, simples mortais.

Quem acompanha a política brasileira também sabe que poucos  já propuseram uma reforma política profunda, que aproximasse o “Olimpo” do chão em que a gente pisa. Nossos dois últimos governantes eleitos pelo voto direto propuseram a reforma política, mas muitos são os políticos avessos a tal reforma, que jamais a aprovarão sem que haja pressão popular.

Nossos congressistas não aprovaram as reformas políticas propostas por Lula e Dilma nem aprovarão qualquer outra reforma que diminua suas mordomias; não é porque sejam oportunistas, desonestos ou hipócritas, acomodados na mamata que não queiram largar o osso, não é por isso, mas sim, por Deus, pelas criancinhas, pela família e pela honra de nosso país. Sei…

São tempos difíceis, mas toda esta sujeirada política era meio que esperada num sistema permite a falta de transparência, a parcialidade da justiça e a corrupção.

Imaginar que nossos políticos, em sua maioria, troncos e frutos do capitalismo selvagem, irão se furtar a ganhar dinheiro fácil e nos representar, só porque chamam nosso sistema de “democracia representativa” é ingênuo demais.

Porém, mais que pelos escândalos midiáticos, os tempos me parecem difíceis porque, também ingenuamente, eu acreditava que nosso povo poderia encontrar um ponto de união e lutar por objetivos comuns, como a tal da reforma política, o fim da fome e da miséria e um salto na qualidade de nossa educação, o que nos garantiria melhorias, também na segurança e saúde públicas, mas não.

Parte do povo deseja tais reformas estruturais e transformadoras, mas tem uma parte, a parte que me decepciona mais a cada dia, a cada passo tomado rumo ao retrocesso, a cada postagem, a cada demonstração de preconceito, a cada comentário cruel e a cada silêncio mediante a injustiça, que luta por alguma outra coisa.

Me decepciono com o povo que se acorrenta à ignorância, me decepciono com os falsos moralistas, me decepciono com os intolerantes, me decepciono com pessoas vingativas fantasiadas de pessoas justas.

Pessoas que, por medo de ousarem o novo, continuam investindo suas esperanças em soluções ultrapassadas que nunca solucionaram nada, comprovadamente desastrosas, ineficazes e absurdas.

Isto se chama decepção, porque, de um político, cheio de interesses ocultos que o levam a praticar um ato reprovável, espero de tudo, mas tenho dificuldade em manter alguma esperança quando vejo um jornalista em quem confiava, um artista admirado, um amigo de facebook, um amigo de infância, um amigo de faculdade ou um parente, alinhados ao discurso de políticos que os iludiram, sem o menor escrúpulo, ainda ontem.

Gente a quem admirava, enlouquecida pra ver gente na cadeia; pessoas que me pareciam boas, comemorando a morte de alguém e fazendo piadas sobre a tragédia alheia; gente instruída, dizendo que tem mesmo é que bater em estudante, tem mesmo é que matar camponês, tem mesmo é que demolir prédio com gente dentro, que tem mesmo é que roubar terra de índio e matar índio, gente do meu convívio replicando discurso de ódio de político fascista, gente inteligente que faz vistas grossas para o diálogo do Romero Jucá com o Sérgio Machado, explanando todos os passos do golpe, gente que recentemente defendeu uma das maiores, senão a maior injustiça da história do Brasil e continua do lado da injustiça, defendendo que vale qualquer coisa para acabar com a raça um desafeto, gente “de bem”, dizendo que “se o golpe foi contra “eles”, tudo bem, danem-se!”; gente que “muito cristã”, dando as mais tristes demonstrações de preconceito social, racial, de credo, quanto à orientação sexual e origem.

É muito difícil enxergar uma saída coletiva quando é tão grande a parcela de nossa sociedade que teme as mudanças, que se presta à hipocrisia, que precisa apontar o erro do outro e se cegar ao próprio erro, que se sente bem quando marginaliza alguém, quando prende alguém e quando alguém morre.

O caminho alternativo à barbárie existe e passa por uma reforma política, mas passa, antes, por uma ação popular, firme e convicta de que, unido, o povo é mais poderoso que qualquer político ou instituição política. O povo é o dono da democracia e cada indivíduo que compõe o povo deve ser infinitamente mais valorizado que qualquer fachada de palácio do planalto, qualquer vidraça de STF, qualquer porta de banco, qualquer gramado da esplanada, qualquer prédio ou monumento de Oscar Niemeyer, porque, por ele, Oscar, por tudo o que ele fez e foi, poderiam até derrubar Brasília se fosse para salvar a vida de um único morador da cracolândia. Para ele, o ser humano sempre teve mais valor que construções.

Quando alguém atribui maior valor a coisas, quaisquer que sejam as coisas, que à vida humana, qualquer que seja a vida humana, ele estará equivocado em sua noção de valores e estará sinalizando, a todo instante e a todos os que leem as entrelinhas do capitalismo: “posso ser comprado!”, “posso ser vendido!”, “sou um corrupto em potencial, me use!”.

Se eu, por algum motivo inexplicável, consigo visualizar um futuro melhor, mais justo, mais livre para todos, sem cadeias, sem fome, sem devastação ambiental, onde o ser humano se ame e ame a Natureza, não faz sentido que eu abandone a esperança para viver no pessimismo destes duros tempos.

Eu ainda creio num mundo bom. Ele depende da nossa união e da evolução de cada um de nós: e eu creio muito que todos podemos evoluir, apesar dos que não demonstram interesse.

Um mundo livre se faz com pessoas que amam e aspiram à liberdade, não com gente louca pra ver gente atrás das grades. Um bom não se faz com gente ruim e é ruindade deixar de lutar contra o sofrimento e pela dignidade humana, a partir dos que mais precisam.

A esperança foi e está sendo golpeada a cada dia destes tempos difíceis, mas posso sentir, a cada dia, que ela realmente não morre!