Por Luís Fernando Praga

Acho que todo mundo já teve um medo…

Eu, por exemplo, já tive medo do “homem do saco”. Não, jovem, não procure o homem do saco no Google porque provavelmente não é desse que eu tinha medo. O “homem do saco” era um personagem inventado por adultos para assustar os pequenos, uma lenda urbana, um cara malvado que sequestrava crianças.

Depois de algum tempo deixei de temer esta história e tive, por mais um bom tempo, o medo de morrer dormindo ou de que meus pais estivessem mortos quando eu acordasse. Claro, eu não queria e ainda não desejo que isto aconteça, mas hoje sei que não depende de mim e não sou mais refém deste medo.

Sei que meu irmão, depois de tentar colocar os dedinhos na tomada, levou uma bronca e aprendeu que havia um bicho horrendo e cruel que morava dentro daqueles buraquinhos da parede. Não vou dizer que ele tem medo de buraco até hoje porque não estou aqui pra avacalhar meu irmão, mas por uns anos ele transferiu a informação da tomada pra todo e qualquer buraquinho que via, e nutria um pavor inenarrável daquela entidade oculta e de sua “toca”, qualquer que fosse o orifício. Entendam, éramos crianças e acreditávamos até nos adultos.

Não sei o quanto foram úteis os medos que tive, mas penso que, se todos já tiveram os seus, os meus talvez tenham servido para que eu aprendesse a enfrentá-los, pois jamais gostei deles e prefiro viver sem. Não causam uma boa sensação e atrapalham o livre pensamento.

Apesar disso, é comum encontrar adultos transformados por medos infantis. Apenas entre os conhecidos, cito os que têm medo de escuro, de borboleta, medo de cachorro, de palhaço e de papai Noel (este até faz mais sentido), mas, claro, os medos de Deus e do Diabo não poderiam deixar de ser citados. Tem até quem ostente seu medo por eles.

Hoje, como pai, busco ser verdadeiro com minhas filhas e não me lembro de nenhum medo que as tenha forçado a cultivar, pelo contrário, incentivo que os enfrentem e aniquilem através da informação e do conhecimento.

Acontece que nem todos pensam assim. O medo plantado pelos adultos é utilizado como uma arma de dominação e imposição da obediência às crianças; afinal, criar um filho obediente não é fácil e não há nada de mal em tocar o pavor de vez em quando.

Será?

Claro! Os adultos educam pelo medo, pra que os filhos não se exponham a perigos maiores no futuro, por exemplo: o tio que estupra o sobrinho ou o pai que estupra a própria filha ou o padre ou o pastor que estupram seus pequenos fieis e querem continuar estuprando muitas vezes, precisam incutir-lhes um medo grande o suficiente, maior inclusive que a própria barbárie, para que estas crianças não espalhem nada a ninguém. “Você pecou, mas não conta nada pra mamãe, que se Deus souber vai mandar você para o inferno!”

De tão acostumados à cultura do medo, quando ouvimos uma realidade mais dura e chocante compondo a versão de uma criança que denuncia o abuso de um adulto, muitas vezes dizemos que “é coisa da imaginação da criança”… Nós, adultos, somos muito equilibrados.

Estou mesmo emputecido e indignado com nossa passividade perante o medo que nos impõem e gostaria de ter um curso superior em psicologia para explicar, a fundo, o estrago que este medo já causou e continua causando a toda a humanidade.

Se não tenho diploma, valho-me das sábias palavras de mestre Yoda, que, numa longínqua galáxia, já discorria sobre o medo desde o século passado:

“O medo leva à raiva, a raiva leva ao ódio e o ódio leva ao sofrimento.”

Não é fácil desafiar o medo e a cegueira dos outros num texto como este, mas o pior que tenho a dizer sobre o medo ainda está por vir…

Agora chega de coisinha de criança, como estupro, papai Noel e homem do saco: somos adultos brasileiros e é sobre nossos medos que desejo falar.

Eu já não sei se tenho medos, preciso ser desafiado. Aí vem o discípulo de algum líder fascista e me diz: “você é defensor dos direitos humanos, passa a mãozinha na cabeça de bandido, mas quero ver se entrarem na sua casa e barbarizarem a sua família na sua frente. Não tem medo disso? Vai continuar defendendo bandido?”

Respondo (sem esperar que eles assimilem): abomino tal ideia, é de muito mau gosto e não desejo pra ninguém, mas não tenho medo. Tenho consciência de que isto pode acontecer e me cerco dos cuidados que considero cabíveis, mas sei que vivo num país desigual e injusto e que isso pode acontecer. Cerco minha família de informação e conhecimento a fim de que tenham a noção de que, estatisticamente, elas estão mais seguras perto dos pobres favelados que lutam pra sobreviver, que dos ricos e remediados, hipócritas e cheios de tempo livre para denegrir e cuidar da vida alheia.

Com tanto fã da TFP, da UDR, do fascismo e desse deus que deixa miserável morrer de fome e sede, mas se lembra de dar um carro usado pro ignorante que tem sobras pro dízimo, fica difícil chegar ao ponto. O medo:

É muito triste, mas vou rir, recuperar o fôlego e continuar…

Você, brasileiro, adulto, fiel às palavras da bíblia e ao sonho capitalista americano. Tem medo de quê?

Machão demais, sua tendência é dizer que não tem medo de nada, mas devo lembrar que você derrubou um governo legítimo, colocando em risco a democracia e a soberania de um país, que não se compõe apenas de gente como você, por medo da invasão bolivariana (você tem medo, mas não sabe quem foi Simon Bolívar), da invasão cubana e até da invasão venezuelana…

Desculpe, parei pra rir mais um pouco…

É, você tem medo de comunistas, mas você também não sabe do que se trata; logo, é medo do desconhecido. O medo vira raiva, a raiva vira ódio e o ódio vira sofrimento, mas você culpa os comunistas.

Já pensou em quem colocou este medo em você?

Se lembra daquele tio gente fina, que lhe dava um presentinho no Natal, que o colocava no colo e fazia carinho, que o levava pro quartinho quando todo mundo dormia, depois dos almoços de família, que sempre citava trechos da bíblia (in God we trust), que se colocava como um bastião da moral e dos bons costumes e que sempre disse que bandido bom é bandido morto?

Então, ele é o bandido e isso não é fruto da imaginação de nenhuma criança.

Sou contrário a se abreviar a vida de quem quer que seja, mas, a título de comparação, a tão temida Cuba gerou 100.000 mortos na revolução cubana a fim de implantar um regime que, a seus líderes, parecia mais justo, mais soberano e mais humano. Depois disso, Cuba jamais declarou guerra a nenhuma nação do Planeta, pelo contrário, exporta solidariedade em diversos campos do conhecimento; e a Venezuela é um país pobre, com poderio militar muito limitado e um ridículo potencial expansionista. Vamos lá, é destes que você tem medo, raiva e ódio e por isso sofre.

Por outro lado, o Tio legal Sam já matou, em sua loucura expansionista, mais de 4.000.000 de muçulmanos, 234.000 filipinos, pelo menos 600.000 pessoas de diferentes etnias massacradas covardemente em situação de prisioneiros de guerra, promoveu o genocídio de mais de 20.000.000 de índios nas guerras indígenas americanas, entre 966.000 e 3,8 milhões de soldados e civis vietnamitas, cerca de 240.000 a 300.000 cambojanos, 20.000 a 62.000 laosianos … e 58.220 militares dos EUA também morreram além de 1.626 desaparecidos na guerra do Vietnã, mais de 200.000 mortos apenas com as duas bombas atômicas com as quais aquele tio gente boa destruiu Hiroshima e Nagasaki, sem contar o que eu não sei e o que não caberia no texto, já que os investimentos na indústria bélica do tio só crescem.

Aquele tio “demais”, que você tem como exemplo e que já estuprava nossos avós, continua sua covarde expansão imperialista e pretende continuar te estuprando por muito mais tempo, tanto que promoveu um golpe no Brasil a fim de trocar vidas por dinheiro e se apropriar do que temos de mais valioso, nossa gente (mão de obra barata), nossos recursos naturais e nossa soberania (o que era nosso já não é mais), por isto é bom pra ele que você sinta medo de tudo, de Deus, do satanás, de Cuba, da Venezuela, menos dele.

Hoje a Venezuela também está ameaçada por um golpe de estado promovido pelo nosso tio bacana.

Hoje a Síria está sendo destruída e milhares de vidas estão sendo ceifadas, não por ordem de cubanos, venezuelanos ou qualquer grande império comunista. Adivinha quem também está metido nesta?

Brasil e Venezuela são, coincidentemente, os maiores produtores de petróleo das Américas. O pré sal já não é nosso, a democracia já não é mais nossa e nós nem somos mais um povo, somos um bando de crianças com medo de Deus, do capeta e do comunismo, passivos e de bruços enquanto nosso tio nos estupra ciente da impunidade.

Não há mais como rir.