Durante o ato, os indígenas recusaram um convite para participar de um encontro com representantes do governo federal, preferindo apenas protocolar, na entrada de alguns ministérios, o documento final do Acampamento Terra Livre, que está em sua 14ª edição. O texto contém um tom mais político e de “denúncia” do que simplesmente elencar as reivindicações e conclama, por exemplo, à “sociedade brasileira e à comunidade internacional” para que se unam à luta dos povos originários pela defesa dos territórios tradicionais.
Com roupas típicas, faixas e entoando cânticos, os manifestantes se dirigiram ao Congresso Nacional ocupando as seis faixas do Eixo Monumental do lado da Catedral de Brasília. A primeira parada foi em frente ao Palácio Itamaraty, ao lado do Ministério da Saúde, onde foi protocolada uma das cópias do documento. Próximo ao gramado do Congresso, duas grades de metal separavam os indígenas do acesso ao prédio onde ficam os parlamentares.
Recado aos Três Poderes
Com recados aos Três Poderes, o texto cita o governo do vice-presidente Michel Temer que, segundo os signatários, tem promovido “graves medidas para desmantelar as políticas públicas voltadas a atender nossos povos”. A identificação, demarcação e proteção das terras indígenas continua sendo uma das principais bandeiras, ao lado da melhoria dos sistemas de saúde e educação dos indígenas. O sucateamento da Fundação Nacional do Índio (Funai) também é criticado, assim como as “nomeações de notórios inimigos dos povos indígenas para cargos de confiança”.
A tese do marco temporal é a principal preocupação dos povos indígenas no Judiciário. De acordo com a interpretação jurídica, as terras tradicionais só poderiam ser consideradas como tal se estivessem sob posse indígena quando a Constituição foi promulgada em 1988. O documento classifica a tese de “nefasta” e diz que, se adotada, irá “aniquilar nosso direito originário às terras tradicionais”, além de validar o “grave histórico” de perseguição, matança e invasão dos territórios. No texto, os indígenas também condenam decisões jurídicas que anulam terras “já consolidadas e demarcadas definitivamente”.
Cem povos indígenas de diversas etnias estavam representados na capital federal desde segunda-feira (24). “Denunciamos a mais grave e iminente ofensiva aos direitos dos povos indígenas desde a Constituição Federal de 1988, orquestrada pelos três Poderes da República em conluio com as oligarquias econômicas nacionais e internacionais, com o objetivo de usurpar e explorar nossos territórios tradicionais e destruir os bens naturais, essenciais para a preservação da vida e o bem-estar da humanidade, bem como devastar o patrimônio sociocultural que milenarmente preservamos”, diz trecho do documento.
Protesto tranquilo
Diferentemente da última terça-feira (25), quando outra marcha na Esplanada provocou conflitos entre policiais militares e indígenas, o protesto desta tarde foi tranquilo. No gramado central do Congresso, enquanto aguardavam o retorno de algumas lideranças do Ministério da Justiça, as diferentes comunidades aproveitaram o tempo para se confraternizar.
De braços dados, cantando e batendo os pés no chão, os indígenas corriam de um lado para outro e pediam a demarcação dos seus territórios. O retorno ao acampamento, no Teatro Nacional, também foi marcado por diferentes cânticos indígenas. Do carro de som, lideranças se revesavam puxando músicas e gritos de guerra como “Demarcação Já”, “Diga ao Povo que Avance”, e “Pisa Ligeiro, Quem Não Pode com a Formiga, Não Assanha o Formigueiro!”.
“No atual momento, nós aceitarmos um pedido de audiência, é legitimarmos tudo que eles estão fazendo contra nós: a criminalização de nossas lideranças e o genocídio que vem acontecendo com nossos povos. Nós tirarmos uma foto com eles, nos sentarmos, tomar um café, beber uma água e eles não atenderem nossos objetivos, dizer nos receberam e que está tudo bem? Preferimos simplesmente só protocolar o documento e sairmos”, explicou Kretã Kaingang, do Paraná.
Novos protestos
De acordo com as lideranças, não há um prazo específico para resposta às reivindicações, mas a necessidade dos povos indígenas é para que sejam cumpridas o mais rápido possível. Ana Terra Yawalapiti, que mora no Alto Xingu, não descartou o retorno dos indígenas a Brasília caso os pleitos não sejam cumpridos.
“Nós vamos voltar. A gente vai cobrar e viremos fora da época [anual] do Acampamento Terra Livre para fazer nossos protestos. Senão nunca teremos resultados. Eu não vou parar [de reivindicar] enquanto eles não derem nenhum sinal de resposta para nós”, disse a liderança, após protocolar o documento.
Para o coordenador-geral do Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia, Kâhu-Pataxó, a mobilização dessa vez foi mais bem organizada porque, durante as negociações, houve entendimento das diferentes etnias indígenas.
“Foi muito tranquilo, conseguimos fazer um diálogo muito bom com a polícia. As dificuldades que a gente sempre tem é porque não estamos trabalhando com índios, estamos falando com povos indígenas. Então precisa-se de fato discutir muito bem algumas coisas com o pessoal para estar claro para as lideranças na hora de fazer a movimentação. A variedade de cultura e modos de organização é bem diferente. O que você acha que para o seu povo é uma coisa comum, para outro não é. É algo que se torna até uma questão de dogma para aquela etnia. Então temos que sempre ter muito cuidado porque vivemos num país pluriétnico”, disse. (Paulo Victor Chagas – Ag. Brasil)