Por Guilherme Boneto

A mídia usualmente evita entrar em detalhes sobre suicídio por entender que, ao fazê-lo, desencadeia um fenômeno de imitação intitulado “efeito Werther”, que incentivaria pessoas com tendências suicidas a tentar se matar. Logo, quando uma pessoa famosa comete suicídio, por exemplo, a imprensa procurará sempre se furtar aos pormenores do caso. Não dirá como a pessoa o fez, nem os motivos pelos quais o fez, para evitar o efeito Werther. Esta coluna da revista Istoé, publicada em 2011, fala um pouco mais a respeito do fenômeno.

Passei os últimos dias assistindo à série “13 Reasons Why”, produto original da Netflix, que trata justamente dessa temática espinhosa. Procurei acompanhar também as polêmicas que acompanham a produção. Para muitos profissionais da medicina, a maneira como a série retrata o suicídio é “preocupante”. Nesta entrevista publicada pelo portal Nexo, por exemplo, o professor de psiquiatria Luís Fernando Tófoli, da Unicamp, fala sobre os efeitos que “13 Reasons Why” pode causar.

Como jornalista, é um tema que me interessa muito. Li várias críticas ásperas a respeito, inclusive de pessoas que clamam ao público: não assista à série. Outros, no entanto, destacam a maneira como a produção tratou o bullying escolar, um tema que me é caríssimo, e as fragilidades que este tipo de violência pode acarretar em uma jovem como Hannah Baker, personagem retratada na obra, levada literalmente às últimas consequências pelas crueldades e pela indiferença dos outros.

A meu ver, de fato alguns pontos da narrativa são forçados para levar o espectador a acompanhar os capítulos até o final, como destacou Pablo Villaça nesta crítica. Não tenho, contudo, o devido conhecimento nesse tipo de produção para me estender além disso. A um leigo como eu, “13 Reasons Why” é um produto de qualidade, que prende o seu espectador. No entanto, algumas cenas são extremamente indigestas – o que considero positivo. O retrato de um estupro é, de fato, chocante, e assim deve ser. É preciso que se encontre mecanismos para obrigar a sociedade a refletir sobre esse tipo de crime, tão comum e tão hediondo. O estupro destrói vidas todos os dias. “13 Reasons Why” nos traz dois deles, em notável clareza.

Assisti a todos os episódios assombrado pelo conhecimento de que a cena do suicídio de Hannah Baker viria no último deles, conforme as críticas que li enquanto acompanhava a produção. De fato, a sequência ocorreu em riqueza de detalhes, e é aí que entra um dos grandes problemas da série – a morte da garota atendeu a uma necessidade de punição àqueles que lhe fizeram mal, e é retratada com exacerbado romantismo. É muito fácil chorar assistindo à cena. É necessário que se reflita, no entanto, sobre os efeitos que uma sequência fortíssima como essa provocam nos espectadores e em pessoas que se encontram, hoje, em situação de vulnerabilidade, considerando-se o efeito de imitação sobre o qual falei acima. Não pode-se simplesmente ignorar algo assim.

Creio que eu não recomendaria às pessoas que não assistam “13 Reasons Why”. Recomendar que não se assista pode ter um efeito contrário nas pessoas, como é óbvio. Podemos, ao invés disso, tentar enxergar a produção sob o contexto do bullying escolar, para que se evitem mortes como a de Hannah Baker, que fatalmente seguem ocorrendo mundo afora. É um de seus pontos muito positivos. Conforme é dito, ao invés de pedir aos jovens que não cometam suicídio, pode-se orientar os agressores no sentido de mudar suas atitudes e comportamentos, de modo a tornar o convívio escolar mais tolerável.

O bullying é tratado por muitos com ironia e desprezo. Há grande desconhecimento sobre as consequências desta violência na vida de crianças e adolescentes mundo afora, e é necessário que se cuide disso com urgência. Ainda que ofuscada pela onipresença do suicídio como foco, que é, sim, a sua mais grave consequência, acredito que os produtores tentaram fazer com que essa temática estivesse presente. De um modo talvez incorreto, houve a tentativa de se conscientizar a respeito. Isso já é muito válido. O debate, no entanto, continuará ocorrendo pelos próximos meses até que a novidade esfrie. Espero eu que os críticos estejam muito enganados acerca dos efeitos negativos que apontam em “13 Reasons Why”, e que a série possa provocar em que a assista boas reflexões.