Em São Paulo – Imagine-se vestido em um traje confeccionado com aquelas antigas lâminas de barbear soltas e sobrepostas sobre o corpo. Essa é uma das várias propostas de obras de 28 artistas plásticos que evocam, além do conceito do belo, a percepção sobre os sentimentos, na exposição Aquilo Que Nos Une. A mostra fica aberta até 14 de maio no espaço da Caixa Cultural São Paulo, na Praça da Sé, centro da capital paulista.

De acordo com a curadora Isabel Sanson Portella, com o uso predominante de agulhas e linhas em traços de poesia, as obras tratam de questões como desejo, dor, entendimento, perdas e danos: “A dor é uma exigência do corpo para tomarmos consciência. Ela nos obriga a encarar a realidade, a redescobri-la na sua crueza e assim criar. É diante da dor sem remédio, do problema sem solução, que surge a necessidade de algo mais elevado, gerador da arte”.

Segundo a curadora, a exposição reflete uma linha de pesquisa estética contemporânea por meio da junção da arte e da manufatura. “São fios que conduzem histórias e narrativas visuais, bordados que constituem estratégias, jogos de dilemas e tragédias, de almas e de fissuras. Os artistas convertem o desenho em bordado; e a costura, em fio condutor de ideias. Agulha e linha são os elementos deflagradores de imagens conferindo espessura de sentido ao imaginário”, acrescenta.

Cutucar a alma

Entre os trabalhos está o video Marca Registrada, de Letícia Parente, de 1975, difícil de ver sem se arrepiar. As mãos de uma artesã bordam, com agulha e linha, uma inscrição na sola do pé. A cada fincada da agulha na pele, a artista parece não só remeter o assistente ao papel de um protagonista da história como deixa, subjetivamente, a intenção de lhe cutucar a alma. A artista procura interagir com o público, por meio de um ato semelhante ao de marcar o gado com ferro e fogo.

A lógica da razão e o mundo do abstrato estão presentes em todas as peças. Em uma delas, cujo título é Estudo para Bastidores, de 1997, a artista Rosana Paulino usou um bastidor de madeira, tecido e linha preta de bordado para cravar a imagem de uma mulher negra, similar a um retrato preto e branco. Ela cobriu a boca da personagem com passadas de linha preta, num gesto que transmite a falta de liberdade ou sufoca o grito de uma vítima de violência doméstica.

A proposta da estética também é realçada no painel em tecido de Clarisse Tarran. Na obra em serigrafia sobre linho Pássaro e Bacia, de 2015, ela mistura o bordado e a pintura com outros materiais, como lã, para reproduzir imagens de animais e de flores, abordando temas da natureza e de um universo lúdico.

A mostra também traz trabalhos de artistas como Bispo do Rosário, Leonilson, Tunga, Waltercio Caldas,, Rosana Palazyan e Anna Bella Geige. A exposição fica aberta das 9h às 19h com entrada gratuita, de terça a domingo.(Marli Moreira, da Agência Brasil)