Por Guilherme Boneto

De forma absolutamente inesperada, Marisa Letícia morreu. Não havia completado sequer 70 anos, idade na qual tantos ainda estão ocupando postos no mercado de trabalho, produzindo, gerando riquezas para o país. Morremos cada vez mais tarde. Marisa Letícia, contudo, se foi aos 66 e deixou para trás filhos, um companheiro de décadas e todo um futuro que ainda se avizinhava.

Na qualidade de primeira-dama da República, Marisa se destacou pouco, é verdade. Mas foi ela quem assim escolheu. Frequentemente comparada a Ruth Cardoso, a esposa intelectual do presidente Fernando Henrique, falecida em 2008, Marisa era simplesmente diferente. Ruth era uma versão forte e talvez futurista da mulher brasileira, e a seu modo, contribuiu com a sociedade. Marisa, por sua vez, representou a mulher brasileira de hoje, zelosa pela família, discreta em seus modos, e segundo dizem pessoas próximas, de personalidade forte. Ambas abriram mão de muito para se tornar figuras públicas, e infelizmente se foram antes de seus companheiros da vida, deixando para trás o que muitas mulheres são e o que tantas outras desejam ser, e serão.

Fiquei satisfeito em notar as imensas manifestações de carinho que o presidente Lula recebeu. No hospital, as visitas se sucederam. Além da presidenta Dilma Rousseff, que retornou mais cedo de sua viagem à Europa para dar um abraço no antecessor e mentor político, o próprio FHC foi ao Sírio-Libanês a fim de prestar seus sentimentos a Lula. Pouco depois, Michel Temer surgiu acompanhado de uma comitiva, não sem antes ter a delicadeza de sondar o adversário, para saber se ele, num momento de tanta dor, estaria disposto a recebê-lo – e a resposta foi positiva. Hostilizado do lado de fora do hospital, o presidente ouviu de Lula algumas observações precisas sobre sua forma peculiar de fazer governo. Também o ministro do STF Gilmar Mendes e sua esposa, Guiomar, telefonaram para o ex-presidente petista. Segundo informações da Folha de S. Paulo, Guiomar e Marisa eram amigas e acabaram por se afastar após as divergências que Lula e Gilmar tiveram durante o julgamento do chamado “mensalão”. Ela e o ex-presidente choraram muito ao telefone. Outros ministros do STF, como Edson Fachin, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski, também telefonaram para o ex-presidente.

Quando D. Ruth Cardoso faleceu, em 2008, Lula ainda era presidente. Além de decretar luto oficial de três dias no país, tal como Michel Temer fez agora, o petista compareceu ao velório e deu um forte abraço em FHC, cujo rosto já mostrava os sofrimentos da viuvez recente. Agora, ainda no hospital, quando a situação de saúde de D. Marisa já era irreversível, FHC retribuiu o gesto de seu sucessor. Neste momento, é absolutamente simbólico para o país ver a imagem desses dois grandes homens trocando um abraço. Não são inimigos pessoais, pois: apenas são adversários, representando forças opostas da política nacional. Faço e farei críticas, por minha vez, à gestão de Michel Temer e a forma como ele ascendeu ao poder, mas achei grandioso o gesto do presidente em ir a São Paulo visitar Lula no hospital, acompanhado de figuras de relevância nacional como José Sarney e José Serra, dentre outros. Temer teve ainda a felicidade de receber de Lula, o maior presidente que o Brasil teve no pós-1988, uma demonstração de disposição ao diálogo.

Enquanto outros tantos se digladiavam nas redes sociais e nas conversas de cafezinho e botequim país afora, as grandes figuras da política se uniam em condolências pela morte de D. Marisa Letícia. Isso não é corriqueiro, e diante de todas as injustiças e arbitrariedades que a ex-primeira-dama teve de absorver nos últimos meses, creio que teria desejado mais paz à política. Até mesmo conversas pessoais de Marisa com o filho foram divulgadas para deleite e julgamento público; isso é absolutamente inadmissível. Todos nós precisamos de um país um pouco mais pacificado.

Neste momento em que escrevo, Luiz Inácio Lula da Silva recebe em São Bernardo do Campo as pessoas que foram prestar a Marisa Letícia suas últimas homenagens. O ex-presidente deve ter distribuído algumas centenas de abraços, quando talvez tudo o que queira agora seja ficar só, e administrar as próprias feridas. Mas o Brasil progressista, o Brasil que quer ser grande, o Brasil que ainda mantém um raiozinho de esperança, esse Brasil deve ficar ao lado de Lula, deve se unir para dar a força necessária ao ex-presidente, para que ele continue sua caminhada.

Sabemos que Lula é para sempre, mas mais do que nunca, precisamos que ele goze de perfeita saúde e disposição. É ele a figura de maior relevância da esquerda brasileira, e assim é desde a redemocratização do país. Precisamos de Luiz Inácio Lula da Silva na política brasileira. Fique bem, presidente. Os meus sentimentos por este dia de tanta dor. Estaremos aqui.