Imagem: André Barretto.

Por Guilherme Boneto

Há algum tempo uma nação despertava para o próprio potencial.

Reconhecida por veículos de comunicação dentre os mais renomados do planeta e por líderes que a observavam agigantar-se, assombrados, ela ia demonstrando amadurecer num complexo processo de redemocratização, após vinte anos de ditadura.

Seu presidente foi classificado por prestigiado colega como “o melhor político do mundo”. Em edição de 2009, quando o planeta submergia em profunda crise econômica e o país em questão continuava a pulsar, uma das publicações econômicas das mais respeitadas trazia a própria capa classificando a nação que houve àquele tempo como um foguete que “decolava”. O país era uma das grandes promessas do século XXI.

Os que então celebravam, entretanto, tinham por grave defeito o esquecimento do passado daquela nação, à qual os elogios nunca faltaram. O período democrático que durava pouco mais de vinte anos era, afinal, muito breve diante da grandeza da História. Os próprios idos do século XX mostravam muito claramente os arroubos golpistas aos quais os habitantes daquele território pareciam sempre tão inclinados, quando viam contrariados seus interesses. A euforia cegou a todos, ou quase todos, dentro e fora daquele triste país.

Elegia-se pela primeira vez uma mulher para a presidência da República, mulher cujo espírito democrata poderia ser assinalado numa breve exposição de sua biografia, mas que não sabia fazer a política como esta era usualmente feita no triste país. Ainda assim reeleita após uma primeira administração, não foi capaz de lidar com um congresso habitado por homens das mais diversas elegâncias, e foi derrubada numa encenação de impeachment que contou com apoio expressivo de um povo adorador da teatralidade, crente de que a deposição de um chefe de Estado é algo corriqueiro – e talvez o seja, num país tão triste assim. Os atores e atrizes a atuar na peça, cujas cortinas foram abertas por um diretor de teatro de talento discutível e hoje em local mais apropriado aos seus feitos, deixariam boquiabertos os veteranos atuantes dos palcos da Broadway. Ainda que à primeira vista possa se parecer com uma comédia pastelão, a encenação praticada nada mais era do que um dramalhão mexicano digno desse país de que falo, tão triste país.

Parece haver décadas desde a euforia sobre a nação mais triste do mundo, mas não se passaram mais do que cinco ou seis anos. A situação, hoje, é um cenário em preto e branco a representar a desolação. O presidente da República, homem de bom português, não foi eleito e tem a legitimidade de seu mandato questionada aos brados. Também não pode sequer aparecer em público, sob o risco de ser vaiado e agredido verbalmente – e ele curiosamente evita fazê-lo. O congresso nacional está totalmente desmoralizado em suas negociatas e interesses, e há no país mais triste do mundo um punhado de magistrados que se veem no papel de legisladores, desmoralizando tanto quanto a instituição judiciário, da qual se pretendem representantes. Todos os poderes da República parecem habitados exclusivamente por agentes que não possuem qualquer compromisso com a saúde das instituições. As pessoas que de fato procuram construir um país melhor parecem relegadas a um triste segundo plano, invisível no meio de tanta mesquinhez e parcialidade.

Antes de a presidenta legitimamente eleita cair de fato, parte cheirosa da população do triste país foi às ruas pedir o fim da corrupção, que recrudesceu, e talvez amedrontada, a mesma população voltou para casa guardando nas gavetas as camisas e bandeiras verde-amarelas e desbotadas representativas do país tão triste; creio eu que só serão desempoeiradas às vésperas da próxima Copa do Mundo, que suscita um sentimento adorável de união nacional. O povo do triste país, longe das festividades do esporte, gosta de ver o sangue alheio a fim de satisfazer o próprio ego e a própria sede. Nunca se preocupou, contudo, em pedir a punição dos torturadores da ditadura; pedem, ao contrário, o retorno do regime, do qual detêm pouquíssimas informações, a maioria delas totalmente incorretas, talvez justamente pelo apreço ao sangue que empoça sob os nossos pés sem nunca ter sido ao menos analisado apesar de seu mau cheiro.

Este mesmo povo, em sua tristeza tida como alegria, detesta e sabota seu triste país, que crê tão indigno das bonanças do primeiro mundo. Imaginam eles que nada produzido dentro das depressivas fronteiras é bom ou notável; seus cidadãos não são tão inteligentes ou qualificados, suas instituições são terrivelmente piores, seus pontos turísticos, menos agradáveis. Perguntados, no entanto, dizem-se felizes “com muito orgulho, com muito amor”, um grito de guerra repleto de uma depressão tão profunda e tão mal disfarçada.

Há décadas o triste país é recordado em seu interior como o “país do futuro”, e não saberia eu dizer se fora de suas fronteiras tão extensas o adjetivo é também utilizado. Esse futuro, lamentavelmente, nunca chegou. Deram ao país, em momento de rara felicidade, uma Constituição chamada de “cidadã” – cidadania esta nunca aprendida pelos tristes habitantes – e hoje desrespeitada de maneira pública e aceitada por muitos. Imaginou-se ali que o porvir seria glorioso, como em outras vezes se imaginou, mas o futuro que hoje se apresenta é triste, embora represente bem o triste país. Nada é como se pensou, e o pouco construído é desconstruído por uma gestão que não teve a bênção do voto popular, voto este que vale quase nada na concepção de muitos dos tristes habitantes, saudosos dos regimes passados.

E lá vou eu acordar todos os dias, habitando com tristeza o triste país, observando-o afundar no passado comigo dentro, logo eu que acreditava tanto, que depositava tantas esperanças, pobre de mim em minha ingênua juventude. Enquanto tristes forem seus habitantes, concluo, o triste país continuará a alternar seus altos e baixos, e nada do que for conquistado amanhã será garantido ou duradouro nas mãos da tristeza que corrói as instituições e as esperanças de quem acreditava com alguma alegria no futuro, ou na promessa dele. Somos nós, corrigindo a histórica expressão ventilada para os tristes habitantes, o “país da promessa”.

O que foi jurado ao triste povo não será entregue, afinal; segue muito viva a nossa vocação para colônia. Acreditamos piamente na promessa de que teríamos um país do qual ter orgulho, de que teríamos motivos para esmurrar o peito e dizer “eu sou brasileiro!”, para além do futebol. Era só promessa, triste promessa. Tornamo-nos um povo que observa e apenas observa, talvez de maneira perplexa, talvez de maneira passiva, um grupelho de pessoas destruir cada raio das nossas esperanças, asfixiadas pelas promessas não-entregues, pela saudade do passado sangrento que se crê glorioso, pelo que pretendemos e nunca poderemos ser porque somos, afinal um triste povo, habitante de um triste país, um país que se detesta e se corrói por vontade própria e por bovina passividade.

Há de retornar no futuro a esperança que nós um dia tivemos, e assim tiveram os meus pais e avós, e os meus bisavós que vieram fugindo da pobreza com a esperança de habitar um lugar melhor. Haveremos de ter de novo o sentimento de que sim, o nosso triste país tem um presente promissor, que as migalhas dadas ao nosso povo podem transformar-se, enfim, em pão. Que o nosso povo haverá de ser soberano e senhor de si, e que não será mais explorado por nenhum político eleito para atender a interesses de poucos, pouquíssimos, por vezes de um só.

São esperanças que teço para um futuro. Ainda há pouco, porém, prometeram-me um futuro que se provou passado e retrocesso. Buscarei sozinho, pois, nova fonte de esperança.