Por Luís Fernando Praga

É com enorme alegria mais ou menos que inicio este texto, fazendo uma pequena retrospectiva de um 2016 catastrófico, tenebroso e surpreendentemente muito louco.

A coisa já começou com aquele ar de “vai dar merda”, pra mim, que sou da casta dos petralhas malditos, mas com aquele horizonte límpido e a esperança de um país sem Dilma, sem Lula, sem PT e sem corrupção para o povo de deus e as pessoas de bem que trajavam verde e amarelo.

Eu tentei, juro que tentei ser empático e fui. Entendi em todos os momentos que não é fácil se desvencilhar das garras de uma mídia hipnóloga e tendenciosa, que divulga inverdades e meias verdades a fim de defender exclusivamente a seus interesses: não por coincidência, os mesmos interesses das grandes fortunas e da aristocracia que domina o País há 5 séculos.

Essa mídia criou vilões, heróis e um campo de batalha e eu fiquei do lado dos vilões.

Os heróis eram legais porque, além de contarem com os juízes, faziam as coisas em nome de deus e odiavam os vilões. Estar do lado dos heróis dava ao cidadão comum o direito de colocar no peito uma estrela de xerife e julgar, xingar, esculhambar e reduzir à categoria de inimigo da Pátria, vendido e defensor de bandido todo aquele que questionasse a legitimidade das ações dos heróis.

Não era preciso defender os vilões pra ser considerado um vilão, bastava não aderir à bateção de panelas, aos gritos de “fora, vagabunda!” e “somos todos Cunha, Temer, Moro, Bolsomito!”  (eu rio). Bastava um simples alerta do tipo “Cara, mas você tá vendo quem está apoiando este impeachment? Você conhece o histórico destas pessoas?” ou “Meu, pra que isso!? A maioria votou nela, em 2 anos tem outra eleição, você está colocando em risco a manutenção da democracia!” para ser considerado um inimigo da moral, da família, da ética e do País.

Sendo morador do próspero e há 18 anos governado pelo mesmo partido estado de São Paulo, senti-me muito desconfortável ao me ver cercado de pessoas que me consideravam danoso ao progresso do país. Muitas vezes fiquei deprimido por ser uma voz gritando pela união em torno da democracia, sem pena da garganta, e sendo sistematicamente ignorado ou mal interpretado.

Pra encurtar, chegamos onde chegamos e, claro, isso não me agradou, mas o desenrolar dos fatos, apesar do mau cheiro e do retrocesso já alcançado, estimado entre 30 e 150 anos, traz aquele conforto pessoal de pensar “O que é que eu ia dizer lá em casa se tivesse ficado do outro lado?”.

No geral a situação é temerária, com o perdão do trocadilho, mas então por que a “enorme alegria” com a qual iniciava o texto?

É que estou de férias e férias com tristeza não dá pra mim. Escrevo diretamente de João Pessoa, Paraíba e dou-me o direito de enxergar o lado bom da vida.

Todo mundo deveria experimentar viajar, conhecer lugares novos, gente e culturas diferentes, mas cada vez menos gente vai poder viajar nos próximos anos, ops, lá fui eu de novo pelo enfoque negativo; voltando… Estou feliz porque João Pessoa é uma capital limpa, com gente educada que para na faixa de pedestre e porque aqui, pela primeira vez, ouço, em público, comentários indignados com o comportamento da nossa imprensa. Vejo gente às mesas dos restaurantes pedindo pra mudar o canal e não me sinto mais tão deslocado como em São Paulo. Pra eles, aqui, também foi golpe, porque foi golpe.

Estou feliz porque encontrei, abracei e tirei foto com o Chico Cesar, um ídolo já faz tempo, engajado, que, já faz tempo, posicionou-se contrário ao golpe.

Também estou feliz porque aqui conheci e tornei-me usuário do Uber, aquele aplicativo que vem revolucionando os conceitos de mobilidade urbana no mundo todo. Você dá 3 toques no celular e em minutos chega um motorista simpático com um carro confortável e o transporta pra onde você quer pela metade do preço de um táxi ou menos.

Estou muito feliz por libertar-me de uma de minhas ignorâncias, adquirindo o conhecimento de que o Uber se trata de uma empresa multinacional nascida em solo estadunidense e não em Uberlândia, como me parecia óbvio.

Estou mais feliz ainda e renovado de esperanças em 2017 porque conheci o Adonias. Jovem, bem-apessoado, motorista do Uber, paulistano de nascimento, que veio pra Paraíba a poucos meses. Adonias é técnico em automação industrial e trabalha também na fábrica da Jeep em Goiana, Pernambuco, há poucos quilômetros de João Pessoa.

O Adonias é um homem raro e… espere, sei o que o leitor maldoso está pensando, mas não, eu não estou apaixonado pelo Adonias, ele é noivo!

O Adonias é um homem raro por se tratar do primeiro ser humano que conheci que, no meio daquela conversa informal entre motorista e passageiro, embrenhou-se no assunto da política de forma inesperada.

Ele disse que foi às ruas em 2016, saiu na Paulista, até se pintou de verde e amarelo, xingou e bateu panelas.

Já sou meio caladão e fiquei quieto, pra não ser esculachado como sou em São Paulo, mas foi aí que ouvi os sinos e aquelas palavras saindo, meio constrangidas, da boca do rapaz: “Mas se eu pudesse voltar atrás eu não pensava duas vezes! Tá tudo pior! Que bando de ratos que comandou este processo! Hoje vejo, mas na época era impossível, era bombardeado por todos os lados, todas as notícias não deixavam dúvidas, é impressionante o poder dessa mídia; sinto vergonha de mim!”.

Quis dar um beijo na boca do Adonias, mas, como não me apetece beijar homem na boca, preferi pegar na mão e dar os parabéns. Disse que entendia os motivos de sua ilusão e da desilusão e que acreditava na força de um povo unido e liberto da manipulação, mas que agora a “caca” já estava feita e que pra mim não restava opção a não ser a total insubordinação ao governo golpista e mobilização popular a fim de reaver a soberania e os direitos extirpados.

Adonias sorriu, agradeceu e me deixou no hotel de classe média (ai, que vergonha) em que estou hospedado e de onde escrevo agora.

As férias já estão acabando e não me passa pela cabeça mudar-me pra Paraíba ou pra Cuba. Vou voltar para o estado onde o “santo”, “f.h.” e o “careca”, vizinhos e colegas do “mineirinho”, apesar de roubarem comida de criança e de tantas citações e denúncias com provas, mas sem convicção, reinam impassíveis há 18 anos.

Volto com um trecho de música “Agnus sei” de João Bosco, tilintando em meus pensamentos: O tempo vence toda ilusão!

Volto com esperança na humanidade e na capacidade de raciocínio das pessoas, porque sei que nem eu nem o Adonias somos melhores que ninguém e cedo ou tarde a ficha cai, mas, quanto mais tarde, maior o dano, maior a dor.

Volto para lutar e desobedecer sempre que minha consciência mandar e ela é quem mais manda em mim.

Volto porque creio na evolução, por mais que ela pareça empacada aos olhos de quem busca justiça social.

A vida continua além de 2016 e sei que ela é pródiga em surpresas, inclusive as boas.

*A palavra “NEGO”, escrita em letras garrafais na bandeira do estado da Paraíba vem do verbo negar e representa o protesto do ex-governador paraibano João Pessoa (1878-1930), que não aceitou a candidatura presidencial de Júlio Prestes (1882-1946). Durante seu governo, vigorava a aliança ‘café-com-leite’, ou o revezamento entre São Paulo e Minas Gerais no poder. Quando em 1929 o paulista Washington Luiz (1869-1957) rompeu o acordo e indicou o conterrâneo Prestes para o cargo em vez de um mineiro, Pessoa informou ao presidente em um telegrama que negava apoio, para formar uma aliança com Minas e lançar-se como vice do gaúcho Getúlio Vargas (1883-1954).

No dia 26 de julho de 1930, Pessoa foi morto pelo advogado e jornalista João Dantas, crime que desencadeou a Revolução de 1930 e culminou com a deposição de Luiz. As cores da bandeira fazem alusão ao assassinato: o vermelho representa o sangue do governador e o preto, o luto por sua morte.

Fonte: ‘História da Paraíba’, de Horácio de Almeida, Ed. Universitária da UFPB